Tragédia do porto da Anglo: “Será que algum dia veremos justiça por nós?”

Esta pergunta se formou no meio da entrevista com a pedagoga Edilene Martins, de 47 anos, prima de uma das vítimas do desabamento do porto de escoamento de minérios que funcionava na área da antiga mineradora Zamin, na região portuária da cidade de Santana.

Segundo Edilene, a notícia do desabamento chegou ao conhecimento da família ainda durante a madrugada daquele dia 28 de março de 2013, quando algumas postagens eram descritas de forma brusca numa época que as redes sociais ainda não tinha essa força midiática de hoje. 

“Algumas notas sobre um possível acidente no porto de Santana eram colocadas por pessoas que já usavam o Facebook naquela época e logo a informação se espalhou na cidade, isso por volta das duas ou quatro (horas) da manhã. Liguei para um amigo que trabalhava naquela empresa e ele não atendeu, já por volta das 7h da manhã fui até a frente da mineradora e vi muitas em frente ao portão de acesso, e muito se falava em mortes de trabalhadores, mas ainda não sabiam informar de maneira precisa”, conta a pedagoga, que ficou o dia todo em frente ao portão principal da mineradora, juntamente com muitas outras famílias e parentes de funcionários que estavam envolvidos no acidente. 

“Eles (a diretoria da empresa-mineradora) não davam qualquer informação, muita gente chorava e desmaiava ali. Foi preciso chamar a polícia para que pudéssemos receber algum comunicado”, relembra Edilene, que disse que as informações oficiais da empresa só eram repassadas no final do dia. 

“Quase tudo que eles falavam nas notas que emitiam não era verdade, dizerem que estavam prestando assistência às famílias, o que sabemos que até hoje isso se prolonga pela justiça sem uma previsão de resolver. Será que realmente veremos isso resolvido? Alguém fará essa justiça por nós?”, questiona. 

Um porto de mais de meio século 
Historicamente, o porto que desabou em março de 2013 foi uma obra inicialmente planejada em meados do século passado, de responsabilidade da mineradora ICOMI, que se implantou no então Território Federal do Amapá após a descoberta de milhares de toneladas do minério de manganês, isso na região de Serra do Navio. 

Para que pudesse explorar o concorrido minério, a ICOMI precisou construir uma ferrovia de 200km (ligando as minas manganíferas com o futuro porto em Santana) e montar toda uma estrutura portuária para receber e transportar esse minério para compradores nacionais e estrangeiros. 

Somente as instalações portuárias foram erguidas no curto prazo de três anos (do final de 1953 a meados de 1956), registrando alguns ‘incidentes fatais’, mas cumprindo a meta de conclusão conforme estabelecimento em contrato firmado entre a ICOMI e o Governo do Amapá. 

Manutenções eram realizadas periodicamente no porto, todas sob avaliação das autoridades locais e até federais. 

Durante a concessão mantida pela ICOMI, que foi de 1957 a 1997, o cais portuário embarcou mais de 65 milhões de toneladas de minérios de manganês comercializados para mais de 80 países da América, da Ásia e da Europa. 

Da Icomi para Anglo, ainda passou pela MMX 
Com a escassez do minério de manganês na região de Serra do Navio e o encerramento contratual para continuar a exploração mineral no Amapá, ocorrido em 2003, a ICOMI negocia a transferência patrimonial de seu parque industrial para um grupo multinacional, que tinha como um dos mentores empresarias Eike Batista. 

A negociação se estendeu por meses, sendo apenas firmado em setembro de 2005 para o Grupo MMX do citado empresário, numa transação que até mesmo se tornou alvo de operação da Polícia Federal no ano seguinte. 

Em janeiro de 2008, Eike Batista anuncia a venda acionária do grupo no Amapá para Anglo Ferrous, numa negociação formalizada em agosto do mesmo ano, no valor de mais de US$ 5,5 bilhões de dólares. 

O fatídico desabamento 
Quando toda a estrutura portuária desabou naquela madrugada do dia 28 de março de 2013, a concessão da mineradora estava agora nas mãos da Anglo Ferrous, que na época se comprometeu de prestar todo moral e financeiro aos dependentes familiares. 

No entanto, segundo relatos de muitos familiares, a Anglo teria ocultado as circunstâncias do desabamento e no decorrer destes anos, não cumpriu metade do que teria sido acertado com os parentes dos mortos no fatídico. 

“Mandaram apenas um funcionário da diretoria para conversar com a gente, prometeu que retornaria e nunca mais vimos ele”, disse Edilene. 

Já sobre as vítimas, sabe-se que três funcionários efetivos da mineradora e os demais pertenciam a empresas terceirizadas, que prestava serviço na ocasião da operação de embarque mineral quando houve o desabamento. 

As vítimas eram: Pedro Coelho Ribeiro (Anglo), Benedito Cláudio Lopes (Anglo), Manoel Moraes de Araújo (Anglo), Josmar Oliveira Abreu (Juvic), Eglysson Nazário dos Santos (AIS) e Maicon Clay Carvalho (SGS). 

Dos corpos encontrados ao longo de meses de procura realizada por equipes do Corpo de Bombeiros, da Marinha do Brasil e até empresas contratadas pela mineradora Anglo, somente os de Benedito Cláudio Lopes e Maicon Clay Carvalho foram oficialmente declarados como desaparecidos. 

Centenas de demissões 
Ainda em novembro de 2013, a Anglo fecharia um novo negócio de vendas, dessa vez com a Zamin Ferrous, pertencente ao bilionário indiano Pramod Agarwal, que passaria todo seu patrimônio no Amapá para a nova concessora, numa ação considerada até ilegal pelo senador amapaense Randolfe Rodrigues

Semanas de formalizar a venda, a Anglo havia prometido junto às autoridades locais que qualquer situação de alteração logística ou administrativa não traria prejuízos à mineradora, como demissões em massa e atraso de pagamento de funcionários. 

Porém, tudo não passou realmente de promessas que se tornaram as primeiras ações tomada pela nova concessora meses após assumir as instalações da ex-Anglo no Estado.

Entre os anos de 2014 e 2015, pelo menos seis paralisações foram realizadas por trabalhadores da Zamin no Amapá, cobrando pelo atraso em seus pagamentos, o que sendo alvo de periódicas decisões de saídas (dispensas) coletivas de funcionários, todas feitas pela diretoria local. 

Segundo levantamento feito pelo blog, em menos de 14 meses, foram mais de 540 trabalhadores (da área técnica e administrativa) demitidos pela Zamin, em sua maioria, pessoas residentes na cidade de Santana. 

Em meio a corrupção, a justiça entra na briga 
Passados esses dez anos que o desabamento do porto ceifou seis vidas, familiares dessas vítimas e de ex-colaboradores lutam na justiça (nas esferas estadual e federal) para conseguirem suas indenizações, mas sem sucesso.

Vale ressaltar que meses após o acidente, a transferência tomada da Anglo para a Zamin Ferrous foi considerada, de acordo com especialistas no mercado do minério, muito desfavorável na exportação, levando a Zamin a encerrar seus trabalhos no Amapá no ano de 2015, sob alegação de atravessar problemas financeiros. 

O Ministério Público Federal e do Amapá também entraram na justiça a partir de 2018, exigindo ressarcimento adequado às famílias e recuperação ambiental causado pelo ocorrido, além da responsabilização criminal pelo acidente, o que tramita judicialmente. 


Para quem espera por uma resposta positiva da justiça, a esperança se mantém.Nada é impossível quando se tem Deus a frente desses desafios. 

“Só quem esteve naquele dia, sabe o quanto foi difícil ficar de frente com a morte”, disse o autônomo Messias Oliveira, de 39 anos, ex-funcionário da Zamin no Amapá, que havia largado plantão no dia do fatídico. 

O blog enviou vários e-mail para a assessoria da Zamin Ferrous, buscando maiores esclarecimentos sobre a situação do porto durante sua concessão, mas não obtivemos êxito.

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