Anna Karoline 3: Naufrágio completa um mês e navio continua no fundo do rio

Um mês, 34 mortes, 51 passageiros e tripulantes resgatados e pessoas ainda desaparecidas. O naufrágio do navio Anna Karoline 3, no Sul do Amapá, que completa um mês neste domingo (29), ainda é cercado de incertezas quanto à responsabilidade pela tragédia, que destruiu famílias, planos e sonhos. 

A Polícia Civil não concluiu o inquérito criminal sobre a tragédia, mas já sabe que uma das causas foi excesso de carga transportada no navio. Além disso, há algumas perguntas que precisam ser respondidas. 

Anna Karoline 3 naufragou no Sul do Amapá
Para isso, uma equipe de 10 policiais, entre agentes e delegados, se debruçam em buscar outras provas diante da teoria de sobrecarga da embarcação. 

Eles acompanham, ao longo da semana, a operação de reflutuação do navio, realizada por uma empresa contratada emergencialmente pelo governo, pelo valor de R$ 2,4 milhões. Até o sábado (28), o navio não havia sido movido do local onde naufragou. 

Após a reflutuação do Anna Karoline 3, o laudo pericial feito pela Polícia Técnico-Científica (Politec) será juntado ao inquérito. A investigação é comandada pelo delegado Victor Crispim, titular da 1ª Delegacia de Polícia (DP) de Santana. Ele definiu a investigação desse naufrágio como um caso complexo. 

Excesso de carga pode ter causado o naufrágio
“A investigação já progrediu bastante, apesar de ser um caso complexo. Conseguimos fazer prova em relação a toda a questão de sobrecarga da embarcação. Dentro do inquérito policial existem depoimentos muito importantes. O inquérito, portanto, está bastante encaminhado para o indiciamento tanto do comandante quanto de dois militares da Marinha”, falou. 

O inquérito pode ser concluído entre 30 e 60 dias. 

Mapa: Local do naufrágio
Dia do naufrágio 
O Anna Karoline 3 saiu por volta das 18h da sexta-feira, dia 28 de fevereiro, de Santana, no Amapá, em direção a Santarém, no noroeste do Pará. A viagem entre as duas cidades dura, em média, 36 horas. A previsão de chegada em Santarém era às 6h do domingo, 1º de março. 

Mas a viagem foi interrompida na madrugada de sábado, próximo à Ilha de Aruãs e à Reserva Extrativista Rio Cajari, no Rio Amazonas (veja no mapa abaixo), numa região a 130 km de Macapá, em um local de difícil acesso e comunicação. O chamado de socorro foi feito pelo próprio comandante da embarcação às 5h. 

Investigados 
São investigados criminalmente como responsáveis pelo naufrágio o comandante da embarcação e dois militares da Capitania dos Portos do Amapá. 

Os dois agentes da Marinha teriam vistoriado o Anna Karoline 3 antes dele sair do porto de Santana, no dia 28 de fevereiro. A polícia ainda prefere manter em sigilo a parte da investigação sobre o envolvimento da dupla. 

Na quinta-feira (26), o comandante da embarcação foi preso pela Polícia Civil, que entendeu que ele estava tentando atrapalhar a investigação. A Justiça autorizou a prisão temporária dele por 30 dias. 

Até sexta-feira (27), o delegado ouviu 35 testemunhas (o comandante, tripulantes, sobreviventes, fornecedores de mercadorias e pessoas embarcaram a carga). À medida em que os relatos foram feitos à polícia, a investigação descobriu uma série de situações que levaram ao naufrágio. 

Testemunhas que afirmam que o navio estava sendo abastecido com combustível ilegal no momento do naufrágio. A polícia paraense apura a situação, porque no dia 3 de março prendeu no Marajó o homem que confessou ter comercializado anteriormente combustível clandestino para o Anna Karoline 3. Ele negou que estava abastecendo o navio antes da tragédia, porém afirmou que estava no local no momento do naufrágio. 

Carga 
Com base em depoimentos e notas fiscais, a polícia afirma que a embarcação levava 170 toneladas de produtos. Era mais do que o dobro da capacidade, sem autorização para fazer esse transporte junto com passageiros. 

Para a imprensa, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) informou que o Anna Karoline 3 tem capacidade para transportar 242 passageiros (sem qualquer carregamento adicional) ou 89 toneladas de carga. 

A suspeita de excesso de carga foi levantada logo nos primeiros dias após o naufrágio. Vídeos que a polícia teve acesso registraram produtos sendo embarcados no convés do Anna Karoline 3 antes da partida do porto em Santana. Imagens mostram a água entrando na embarcação – o que caracteriza o grande peso no veículo. 

“As primeiras informações que chegaram davam conta que o naufrágio ocorreu devido sobrecarga de mercadorias e produtos que a embarcação estava transportando, então dei prioridade em exatamente fazer prova em relação a esse fato. Nós conseguimos fazendo oitiva das pessoas que participaram da cadeia, fornecedor, transportador, estivadores e também os destinatários, e também nos foram apresentadas notas fiscais. Conseguimos provar que a embarcação estava transportando 80 toneladas acima do limite permitido”, afirmou o delegado. 

Segundo Crispim, o navio levava toneladas de açúcar, trigo e outros produtos alimentícios; barras de ferro; uma moto; e vários móveis de duas famílias que estavam de mudança para viverem em outras cidades. A carga tinha destinos variados, previstos para serem desembarcados onde o navio faria "paradas", como em Almeirim (PA). 

Lista de passageiros 
Não há oficialmente o número de vítimas da tragédia e nem a quantidade exata, porque o navio não tinha uma lista de quantas pessoas embarcaram no porto, e nem a Marinha do Brasil. 

Inicialmente o governo chegou a afirmar que eram 60 vítimas, segundo o que o comandante da embarcação havia relatado. No entanto, a polícia informou que, de acordo com os depoimentos colhidos, estima-se que a embarcação levava de 90 a 100 passageiros e tripulantes. 

Familiares, amigos e sobreviventes das vítimas sempre contestaram os números apresentados, afirmando que o navio levava em torno de 100 pessoas, além de muita carga. 

Apesar das equipes não terem suspendido as buscas por vítimas desde o dia da tragédia, foram encontrados 34 corpos, até o dia 11 de março - a última pessoa resgatada foi uma mulher presa em um compartimento do navio. 

Irregularidades do Anna Karoline 3 
O comandante do navio não era o proprietário do Anna Karoline 3. Ele afirmou para a polícia que havia alugado a embarcação, pagando R$ 20 mil por mês, de uma empresa de Santarém. A Antaq identificou que a empresa não tem autorização para operar na rota Santana-Santarém. 

Veja dados da Antaq sobre o navio: 

• Nome: Anna Karoline 3 
• Linha autorizada: Santarém – Manaus 
• Comprimento: 38,25 metros 
• Largura: 7,3 metros 
• Capacidade de passageiros: 242 passageiros (sem qualquer carregamento adicional) 
• Capacidade de carga: 89 toneladas 
• Quantidade de convés: dois 

A Marinha do Brasil acrescentou que, no cadastro do navio que consta no órgão, é descrito que o Anna Karoline 3 foi construído em 1965, e que atua com 11 tripulantes. 

Além da Polícia Civil, também investigam o naufrágio a Capitania dos Portos, o Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público (MP) estadual, e a Antaq. O Congresso Nacional também criou uma comissão externa para apurar responsabilidades do naufrágio. A Marinha também apura se houve desvio de conduta dos marinheiros. 

Reflutuação 
Além da investigação criminal, a reflutuação do navio também é um procedimento complexo. Os equipamentos da empresa contratada pelo governo chegaram no local do naufrágio no dia 21 de março, e foram feitos os últimos ajustes para realizar efetivamente a manobra. 

Na quarta-feira (25), o governo detalhou que o plano precisou de readequações para que a operação transcorra com maior segurança; já que mergulhadores verificaram que existem grandes volumes de carga soltas no convés. O procedimento também sofre instabilidade climática, e por isso não foi precisada uma data específica para ocorrer o içamento. 

O ponto onde o navio afundou foi localizado pelos bombeiros e boias foram colocadas para auxiliar nas buscas. A vista ao redor é de mata fechada, em ambas as margens do rio, que tem bastante correnteza. 

O navio, feito de aço, está localizado a 440 metros da margem mais próxima, a mais de 12 metros de profundidade. O Anna Karoline 3 pesa em torno de 200 toneladas. Considerando pesos embarcados no navio, além de lama e a pressão da água, o içamento será de um peso em torno de 1,1 mil toneladas. 

Para isso, o trabalho contempla reflutuação e içamento do navio através de uma balsa que já foi ancorada na região com 2 guindastes. O procedimento também conta com instalação de flutuadores que auxiliarão os guindastes. 

“O próximo passo da investigação, como vai ocorrer a reflutuação do Anna Karoline 3, nós vamos ao local junto com a equipe de peritos para poder exatamente analisar todas essas circunstâncias, no que diz respeito aos produtos que se encontram dentro da embarcação, realizar pesagem, se for possível, e analisar o que pode ter ocorrido no momento do naufrágio. Existem relatos de que havia muita mercadoria na polpa do navio e que a embarcação começou a naufragar com a entrada de água na polpa do convés principal. A gente vai verificar todas essas situações com a reflutuação do navio”, concluiu o delegado Crispim.

Informações postadas no G-1 Amapá

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