Odon Morales: Com 90 anos de vida, 65 são dedicados à Santana

O espanhol Odon vive há 65 anos em Santana
Com um olhar calmo e sereno, Odon Morales recebeu com toda cordialidade e educação o blog Santana do Amapá em sua residência, situada numa região nobre da cidade (no início da Avenida Castelo Branco), onde ali reside sossegadamente desde 1974, quando adquiriu o imóvel da empresa onde trabalhava e que muito ajudou a contribuir enfaticamente em prol do que hoje conhecemos o Estado do Amapá. 

Já no seu conhecido aperto de mão (forte e determinado), sentimos o calor receptivo e de bom animo deste espanhol que nasceu no dia 22 de novembro de 1929, na região de Santa Cruz de Tenerife, que integra as famosas Ilhas Canárias, numa parte próxima ao Marrocos. 

“Me considero um ‘espanhol africano’, nascido de um país que nunca conheci”, disse Odon ao blog, de modo de bem humorado, no início de nossa longa entrevista. 

Odon nasceu nas Ilhas Canárias (Espanha).
A fuga pelo Atlântico 
Batizado com o nome de Odon Morales Y Morales, é filho de Eusébio Morales e Esperanza Morales Acosta. Mesmo após perder sua genitora precocemente, desde cedo Morales se mostrou atento e interessado. Diplomou-se em Técnico de Manutenção de Equipamentos Ferroviários em sua região de nascimento, onde ali se manteve até os 16 anos de idade.

Como o mundo vivia uma intensa situação perante a 2ª Grande Guerra Mundial, Morales – ainda um jovem – já era um dos recrutados a ser combatente por seu país, já até participando dos treinamentos como soldado inscrito. 

“Como a maioria dos países europeus eram comandados por ditadores, a ordem era que seus súditos e soldados interioranos fossem convocados para os campos de batalha. Ou seja, eles não enviavam as pessoas de dentro do próprio país, mas das repúblicas e comunidades ligadas à Espanha”, relatou Morales. 

Odon no Santana Clube (1965)
Vendo que a convocação de novos soldados para a Guerra acontecia a todo momento, Morales e seu pai decidiram fugir de sua terra natal. O destino: atravessar o Atlântico, chegando até a Venezuela. 

“Meu pai comprou um barco e decidimos fugir numa madrugada, vindo com a gente outras pessoas que também não queriam ir para a Guerra”, relembrou. 

Após a embarcação ser jogada ao mar por volta de 1h da manhã daquele dia 12 de outubro de 1945, acabaram todos ficando à deriva por 75 dias. “Como o barco era ‘à vela’, tinha dia que seguia pra frente e dia que seguia pra trás. Não tínhamos um caminho certo”. 

Sem saberem o que fazer, a longa espera culminou na rápida perda de comida que havia na embarcação, levando alguns desses passageiros a morrerem durante a viagem, sendo jogados seus corpos ao mar. 

“Ainda encontramos com um cruzeiro que ia do Brasil para os Estados Unidos (EUA), oferecendo ajuda, mas achou melhor apenas nos dar comida por que iria fugir da rota deles”, enfatizou. 

Odon Morales foi fundador do Santana Clube
Morou em Caiena 
Odon conta que após passarem semanas ‘boiando’ no mar, o barco onde estavam amanheceu encalhado numa praia que, para surpresa de quem estava a borda, era uma área pertence à Guiana Francesa. 

“Era um lugar isolado, uma praia sem nada. Somente quando avistamos um barco passando, que pedimos ajuda e ele nos rebocou até a sede de Caiena”, detalhou. 

Já em terras francesas, as autoridades locais lhe deram todo apoio quanto à saúde dos recém-chegados estrangeiros – onde muitos demonstravam fortes sinais de fraqueza e cansaço físico –, ficando internados por um mês em hospitais da região. 

Após a recuperação, lhes foram dados duas opções: ou podiam retornar para o seu país, ou poderiam ficar e trabalhar. Em Caiena, Morales se manteve por quase três anos, onde exerceu trabalhos como cozinheiro e garçom. 

Tanto que sua atuação na cozinha de um hotel, lhe rendeu uma forte amizade com o Sr.º Armando Amorim, que respondia pelo Consulado do Brasil naquela região francesa. 

Uma amizade tão respeitosa que, ao saber que Odon era formado na área de Mecânica, pediu que desse uma olhada em um carro que possuía e que estava há meses sem uso.

“Fui à casa do Consul e depois que dei um olho no carro dele, vi que era um problema pequeno e consertei. Ele ficou tão feliz que me propôs duas vezes o que eu ganhava no hotel pra ir morar e trabalhar com ele. Aceitei na hora”, conta com entusiasmo. 

Pelo Oiapoque, entra no Amapá 
Morales relata que, no período que residia com o Consul Armando, tomou conhecimento que seu pai estava montando uma serraria em San George e decidiu ajuda-lo no negócio.

Tão logo o pequeno empreendimento criou uma forte clientela, tanto de franceses como de brasileiros que moravam no município fronteiriço de Oiapoque. 

Acompanhou a montagem final da ferrovia
“Essa boa relação que meu pai tinha com os brasileiros fez com que ele recebesse várias vezes convite para vim de vez pro Oiapoque, mas não podíamos por que nossa documentação estava registrada em Caiena, onde fomos recebidos”, considerou. 

A constante travessia ilegal entre o Oiapoque e o lado de San George fizeram com Odon e o pai criassem uma incansável rotina: de dia, eles trabalhavam no lado brasileira, mas tinham que dormir diariamente no lado francês. Algo que tiveram que fazer por meses. “Era uma coisa que tínhamos que respeitar. Assim era as regras”. 

Porém, certo dia, um grave problema no principal gerador da Usina de Luz de Oiapoque fez com que a cidade ficasse às escuras por dias, levando o fato ao conhecimento do então governador do Amapá Janary Nunes. 

Enquanto não eram tomadas providências sobre a situação, o então prefeito da cidade Roque Pennafort autorizou com que Odon e o pai verificasse o defeito, que logo foi solucionado. 

Janary era amigo pessoal de Odon
“Quando o governador Janary chegou à cidade, contaram à ele que tínhamos solucionado o problema, mas que não podíamos ficar muito tempo ali por sermos ‘deserdores’ do país vizinho. Na mesma hora, o governador chamou o prefeito Pennafort e o delegado da cidade (Oton Passos), dando a ordem que arranjassem uma moradia para nós e garantissem a segurança que fosse precisa”, pontuou. 

Segue para a capital 
Reconhecendo a importância profissional do jovem Morales, o governador Janary decidiu por leva-lo para assumir alguns serviços técnicos em comunidades amapaenses, enquanto que seu pai preferiu seguir para a região de Icoaraci (PA) como ‘regatão’. 

“Fui levado pelo governador ao município de Amapá, onde ali me casei e fiquei por um tempo apoio à prefeitura. Depois me trouxeram para Macapá, onde prestava vários serviços particulares”, disse. 

Ingressa na ICOMI 
Quando chegou à Macapá, no final de 1953, ficou hospedado na conhecida Pensão da Dona Helena, a pedido do Governo do Amapá. 

Na época, dezenas de trabalhadores chegavam semanalmente de vários lugares do Brasil e do mundo, todos tomados pelo conhecimento sobre a importância da exploração do minério de manganês existentes no Amapá, que agora seria de responsabilidade da recém-instalada mineradora ICOMI. 

E obviamente haviam operários vindos da Espanha, que acabaram por se hospedar na mesma pensão onde estava Odon. “Conheci esses espanhóis, que me perguntaram sobre minha profissão e falei no que era formado. Daí me convidaram para ir fazer um teste na ICOMI”. 

Ao aceitar o convite, seguiu para a região de Porto Platon, onde ali estava instalado o setor técnico da mineradora. Conseguiu ser aprovado e no dia 28 de dezembro de 1954, foi contratado na função de mecânico, lotado no canteiro de obras da empresa, situada em Porto de Santana.

No ano seguinte (1955), seria promovido ao cargo de capataz e, em 1957, assumiria a chefia do Departamento de Manutenção de Equipamentos Ferroviários, isso depois de fazer vários cursos nas empresas do sul do país. 

Sua dedicação profissional lhe garantiu ficar responsável pelos serviços periódicos de manutenção da Estrada de Ferro do Amapá (de Santana a Serra do Navio), até se aposentar em 1982. 

Em família 
Casado com Dona Darly Pantaleão Morales, se tornou pai de Maria Daisy, Juan Martin, Odon, Margot e Janaína. Nomes que ele citou na entrevista como de grande valor em sua existência. 

“Me sinto mais do que privilegiado por ter esses homens e essas mulheres dentro da minha vida”, reconheceu. 

Contribuição no esporte 
Em sua vida social pela cidade portuária de Santana, onde hoje completa 65 anos de morada, sempre se mostrou laboriosa. Católico, participou de inúmeros bailes nos clubes e das festas cívicas, populares e oficiais. Participou da fundação do Porto Platon Clube quando passou uma temporada naquela localidade. 

Sempre relatou de sua participação na fundação do Santana Esporte Clube em 1955 (sendo considerado um dos sócios-fundadores) e em 1962, com o apoio de colegas de trabalho, fundaram o Independente Esporte Clube. 

Participante na Política 
Poucos sabem, mas Odon também escreveu seu nome na história política de Santana desde sua emancipação. Em 1991, fundou o Diretório do PTB em Santana, por onde concorreu nas eleições de 1992 para o cargo de prefeito da cidade, e em 1996 para vereador, não conseguindo se eleger. 

Mas contribuiu fortemente no Partido do Aposentados (PAN), onde ali iniciou um bom trabalho de arregimentação da classe. 

Hoje com seus 90 anos bem vividos, o espanhol apenas relembra às novas gerações uma época em que muito se fez em prol de um Amapá que nem sequer sonhava em ser Estado que hoje conhecemos. 

“Sinto falta daquele futebol amador, daqueles bailes que eram mais concorridos, de uma política mais leal com o povo. Já recebi vários convites para reorganizar alguns dos muitos clubes que hoje não existem mais, só que minha saúde não me oferece aquelas mesmas qualidades de 20 ou 30 anos atrás. Acredito que essas gerações tem capacidade de construir um Amapá mais digno. Basta quererem”, deixa dito Morales.

Comentários

  1. Sem dúvida um dos melhores textos que eu já li aqui. A vida desse homem dava pra escrever um livro. Faltou falar mais do pai
    O que aconteceu com ele. Se o Odon foi vê-lo quando ele morreu. Como conheceu a esposa e outros trechos interessantes

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  2. Essa entrevista foi um encontro casual de meia hora, irei agendar um papo mais calmo com ele nas próximas semanas, mas esse texto já pagou minha vontade de querer falar um pouco desse pioneiro.

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  3. Sem palavras por essa história tão incrível

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  4. Seu Odon meu vizinho homem digno e honroso valeu muito lê esse texto sobre a trajetória do mesmo.

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  5. Sr Odon, dentre outros, homens que apostaram em viver no Amapá e em Santana, viveram bons tempos. Hoje tudo é assalto e facada... saudade dos velhos tempos!!!

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  6. Bela história desse pioneiro de Santana, merece ser lembrado e homenageado pela Câmara de vereadores de Santana.

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  7. Quanta emoção a ler tudo isso.. grande ser de estimável competência.. foi muito amigo de meu saudoso pai Waldomiro Sozinho.. e inclusive herdei um bordão que os dois quando se cruzavam um com outro se comprimentavam assim.... EI ROOOLLAAA.. e hoje também estamos passando de pai para filhos, como eu e Juan nos comprimentamos também. Parabéns seu Odon . Todo meu carinho e respeito de nossa família SOZINHO, saúde e felicidades lhe desejamos. Um forte abraço e um beijo no coração

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  8. Trabalhei algins anos na monte casa e construcao que fica proximo a casa do seu odon
    E sempre ele ia nos visitar
    Grande sujeito

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