CAEMI: Ícone que morreu na terceira geração

1990: Antunes passando o comando para o neto
Poucos sabem desse trecho da nossa história, mas o Grupo Caemi desapareceu de vez do cenário empresarial brasileiro em 2006, ao ser incorporado à Vale do Rio Doce, que fecharia seu capital e retiraria suas ações dos pregões da Bolsa de Valores. 

Fundada em 1950 pelo lendário empresário Augusto Trajano de Azevedo Antunes, seu neto e herdeiro Guilherme Frering ainda tentou reconstituí-la, com US$ 20 milhões, naquele mesmo ano de seu encerramento do ramo mundial. 

Na opinião de especialistas da área de economia, foi uma tentativa praticamente em vão, já que ele (Guilherme) e o irmão (Mário) viviam em desavenças pessoais, causando a venda de ativos do grupo, que começaram a acontecer em 2001. 

Depois de ser a quarta maior exportadora de minério de ferro do mundo – isso durante décadas –, tornou-se então apenas mais um dos ativos da Vale. Em seus últimos meses, seu valor de mercado atingiu US$ 7 bilhões. Em 2001, valia menos R$ 1,17 bilhão. 

Caemi respondia pela mineração
Após vender o controle da companhia por US$ 332 milhões em fevereiro de 2001, Guilherme e Mário tomaram rumos profissionais diferentes, mas mantiveram o mesmo endereço: foram residir em Londres. 

De lá, dedicaram-se a atividades que foram desde a administração da fortuna resultante do negócio até causas ambientais. Arredios, evitavam a mídia e não gostavam de falar sobre o fim do grupo. 

Guilherme criou uma empresa de mineração e contratou geólogos para prospectar reservas minerais no Brasil, assim relatam pessoas próximas dele. 

Já o irmão Mário, além de gerenciar seus recursos dentro e fora do país, tornou-se um dos diretores mais atuantes do conselho da WWF Brasil, o braço local da segunda maior organização não governamental (ONG) de preservação do meio ambiente do mundo, depois do Greenpeace. A WWF chegou a ser presidida pelo príncipe Charles, herdeiro do trono inglês. 

Ao contrário de alguns grupos empresariais brasileiros de estrutura familiar, a Caemi não passou da terceira geração. Compôs a lista de 85% e 90% das empresas no mundo que são passadas adiante ou morrem até a terceira geração. 

Os primeiros sinais negativos do Grupo 
Os problemas de sucessão no grupo, fundado por Antunes no início dos anos 1940, começaram na década de 1970, com a morte de Augusto César, aos 35 anos, seu único filho homem e sucessor natural. A tragédia abalou muito o futuro do conglomerado. Mas não foi motivo fatal. 

Antunes ficou no comando até 1990
Como só tinha mais uma filha, Beatriz, casada com o holandês George Frering, o empresário continuou à frente dos negócios até 1990, seis anos antes de sua morte, em setembro de 1996, com 90 anos. 

Percebendo a necessidade de formar herdeiros capazes de assumir seu lugar na Caemi, em meados dos anos 1980, Antunes decide dividir seus bens em vida. Nessa partilha, privilegiou Guilherme e Mário, filhos de Beatriz, em quem enxergava vocação para manter a continuidade da companhia. 

Fábio, o mais velho dos três filhos de Beatriz, que não quis aceitar a tarefa por não ter vocação empresarial, e os três filhos de César, duas moças e um rapaz, ficaram com imóveis, fazendas, ativos florestais e 6% das ações preferenciais da Caemi para cada um. Esses papéis hoje valeriam cerca de US$ 420 milhões, segundo relato de um ex-funcionário da Caemi. 

Na época, Guilherme, engenheiro recém-formado, com diploma de administração carimbado em Harvard (EUA), começou a assumir posição no grupo, ainda sob o comando do avô. Em 1987, Antunes implementou a reestruturação da Caemi, focando o grupo em mineração e começa a se desfazer de uma série de outros ativos que iam do aço a frigorífico. 

A sucessão de fato ocorreu em janeiro de 1990, quando o empresário, já passando dos 84 anos, passou o ‘bastão’ aos dois netos. Guilherme, o mais velho, com 31 anos assume solenemente a presidência-executiva. Mário, cinco anos mais jovem, também passa a integrar os quadros da Caemi como vice. Na ocasião, o grupo já faturava US$ 800 milhões.

A ida de Guilherme para o lugar do avó gerou grandes expectativas e esperava-se que fosse bem-sucedida, dando continuidade ao trabalho do fundador, que ficou à frente por 51 anos. 

Mas, foi um reinado infeliz, recheado de desavenças e disputas entre os dois irmãos. Segundo ex-funcionários, eles tinham visões completamente diferentes de como tocar a companhia e Guilherme era muito intransigente. 

O estopim das brigas foi a decisão tomada por Guilherme em 1993 de mudar-se com a mulher, a socialite Antônia Mayrink Veiga, para Paris. Da capital francesa, passou a dirigir o grupo por vídeo-conferência. 

Tal atitude não agradou a Mário nem ao avô, apesar de argumentar que no exterior estava mais em contato com os compradores do minério da Caemi. 

A gota d’água do confronto entre os herdeiros veio em 1994, quando a MBR, principal mineradora da Caemi, registrou pela primeira vez na história do grupo prejuízo de US$ 26 milhões. Em 1995, a empresa voltou a fechar o balanço no vermelho, com resultado negativo de US$ 4 milhões. 

Internamente, atribuía-se essas perdas ao real sobrevalorizado (1994 e 1995 era o início do Plano Real) e a problemas de embarque de minério de ferro nas ferrovias da estatal RFFSA. Mas, suas concorrentes, como a Vale, tiveram lucro no período, apesar do câmbio. 

No início de 1996, preocupado com a situação da MBR e com o ambiente de disputa de poder entre os irmãos, o avô fez uma intervenção na empresa e recomendou a profissionalização imediata da direção executiva da Caemi. Antunes afastou Guilherme do comando do grupo, mantendo-o apenas no Conselho de Administração. 

Em seu lugar foi nomeado o executivo Oscar Augusto Camargo Filho, homem de confiança de Antunes, que era funcionário de carreira da Caemi e que já havia ocupado seu lugar em abril de 1990, até Guilherme assumir a posição, em dezembro. O nome de Camargo foi bem recebido pelo mercado, avaliando que a crise sucessória da Caemi estava sob controle do fundador. Mas Antunes faleceu logo depois. 

Em 1997, a Mitsui tornou-se sócia na Caemi ao adquirir por US$ 200 milhões 40% das novas ações emitidas pela holding numa operação de aumento de capital. Na ocasião, os acionistas japoneses exigiram que a família não voltasse a ocupar a direção executiva da companhia. 

Com a nova estrutura societária, a situação econômico-financeira da Caemi reverteu-se. O sócio era forte – uma das maiores tradings do mundo – e impôs uma administração profissional. Capitalizado, o grupo participou da disputa no leilão de venda da Vale do Rio Doce como integrante do consórcio Valecom, liderado pela Votorantim, que perdeu para o grupo de Benjamim Steinbruch, da CSN. 

O poder de Guilherme, que ainda tinha alguma influência no grupo, mesmo no conselho, foi se desgastando por conta do fracasso de sua gestão executiva. Atribuíam-lhe a aplicação de dinheiro da mineradora em projetos considerados inviáveis no Pará. Ele chegou a ser acusado de criar um ambiente de autoritarismo no grupo pelo irmão caçula. 

Em 1999, por decisão dos acionistas, foi substituído na presidência do conselho por Mário, que, aos 35 anos, torna-se o mais novo Augusto na mineração brasileira. No mesmo ano, Oscar Camargo deixa a presidência executiva da holding. Wanderley Viçoso, ex-office-boy de Antunes passa a ser o principal executivo. 

Afora os desentendimentos dos dois acionistas controladores, no início da década de 2000 o setor de mineração passa a viver um forte processo de consolidação. 

Excesso de oferta de minério de ferro, setor com produção pulverizada e forte poder das siderúrgicas nas negociações de preços, que giravam em torno de US$ 15 a tonelada e com tendência de queda. No Brasil, a Vale capitaneava o movimento de consolidação: comprou Socoimex, Samitri, parte da Samarco e negociava com os alemães a Ferteco. 

Os herdeiros de Antunes decidiram partir para uma fusão com a mineradora australiana North Ltd. Na operação de fusão, a Caemi seria minoritária e teria uma porta de saída imediata para Guilherme e Mário. O negócio não prosperou e a gigante Rio Tinto acabou levando a North. 

A decisão dos Frering estava tomada: ante às desavenças, a solução era a venda de suas ações, pois cada um pedia valores absurdo para cedê-las ao outro. Grandes amigos antes de assumirem o grupo, os dois já nem se falavam mais. Por isso, contrataram uma consultoria de São Paulo para fazer a ‘ponte’ entre eles e buscar um comprador. 

Mário, com visão de curto prazo, considerou a venda como única saída. Guilherme, segundo testemunhos de ex-funcionários, tentou resistir, mas não tinha dinheiro para comprar a parte do irmão. 

Nesse cenário – de desentendimentos dos controladores e consolidação do setor –, a Caemi virou a 'a noiva da vez'. O banco americano Morgan Stanley comandou a operação. 

Ao ofertar US$ 332 milhões, a australiana BHP venceu a Vale, mas não levou: como tinha direito de preferência, por ser acionista, a Mitsui ficou com as ações dos irmãos Frering e meses depois as dividiu com a Vale. Em 2003, vendeu tudo à mineradora. 

“Estou de luto”, relatou na época um ex-funcionário da Caemi. Como ele, outros executivos que lá trabalharam anos a fio, e até décadas, testemunharam o fim de um grupo, ícone no país, devido ao desastrado processo de sucessão familiar.

Comentários

  1. Eu também estive por lá, no início de minha carreira profissional. Lamento a falta de Gestão, que levou à bancarrota. Adeus, CAEMI!!!

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