No Igarapé do Lago, festividade de Nossa Senhora da Piedade chega aos 150 anos

Uma tradição repleta de fervor religioso com um ritmo contagiante que se tornou o elo que une gerações há um século e meio. A Festividade de Nossa Senhora da Piedade, realizada no Distrito do Igarapé do Lago, localizado a 90 quilômetros de Macapá, chegou na semana passada, no ponto alto das comemorações, que iniciaram no dia 29 de junho. 

O sol raiou no pequeno Distrito que é ligado ao município de Santana com o badalar dos sinos da pequena Capela do Divino Espírito Santo. A comunidade pacata, formada por um pouco mais de 800 habitantes, estava mobilizada em torno do Batuque da Piedade. 

Após a celebração, a programação prossegue com a Procissão da Meia Lua. A comissão organizadora segue na frente. O porta-bandeira leva o estandarte onde está pintada a imagem de Nossa Senhora com seu filho ao colo, em seguida, a guardiã carrega a imagem da Santa entre o mantenedor e o fiel com a cruz branca, símbolo da fé cristã. E os fiéis acompanham a comitiva entoando a folia ao ritmo de tambores e ganzás. 

Em seguida, todos embarcaram na Procissão Fluvial onde, em um cenário de beleza única, as embarcações seguiram pelas margens do igarapé do Distrito. Os fogos anunciaram o ápice da festividade e as famílias, na beira do igarapé, saudaram Nossa Senhora. 

Localização e História
A comunidade quilombola Igarapé do Lago é um distrito da cidade de Santana, distante 90 quilômetros de Macapá, e localizada em parte elevada onde predominam os campos de terra firme. 

A localidade é banhada por um igarapé, afluente do rio Vila Nova, que se alonga por regiões de terras baixas, inteiramente alagadas durante o inverno, formando extenso um lago de onde vem o nome da comunidade: Igarapé do Lago. 

O acesso terrestre à comunidade é feito pela BR 156 no eixo sul (Macapá /Laranjal do Jari), mais 29 quilômetros de ramal sem asfalto, assim como parte da BR. Por via fluvial, o aceso se faz pelo rio Vila Nova, saindo de Santana. 

A comunidade surgiu com a libertação dos escravos, em 1888. Anteriormente, na região existia o sítio de Joana Barreto, poderosa posseira e detentora de escravos. Com a abolição da escravatura, os libertos se mantiveram na região e construíram suas casas em frente ao sítio, na parte elevada. 

Para sua sobrevivência, os ex-escravos organizaram suas roças de mandioca, milhos e café, juntamente com a criação de gado, além da caça e da pesca. 

Segundo registros encontrados na prefeitura de Santana, a vila tem aproximadamente um século de existência. Aos ex-escravos, juntaram-se posteriormente outros moradores, provenientes das regiões das ilhas do Pará, descendentes de açorianos e portugueses que haviam povoado Mazagão Velho. 

Destaca-se, entre os que se somavam na formação da comunidade, a figura de Belmiro Macedo Medino, que veio de Mazagão Velho e trouxe o festejo de Nossa Senhora da Piedade, que é a festa mais tradicional da comunidade. 

Segundo os relatos, foram os escravos refugiados no Mazagão Velho que ensinaram para Belmiro o rito da festividade de Nossa Senhora da Piedade. Eles faziam tamboca e tambores de couro de animal para que se tocassem e cantassem para a santa. 

Durante o festejo religioso, eram feitas promessas e pagavam-se penitências. Uma das mais singulares era ficar ajoelhado em cima de uma pedra, rezando. O mesmo acontecia se alguém reclamava da comida servida na mesa da santa. 

Até o início da década de 1940, a comunidade rural de Igarapé do Lago era um pequeno vilarejo, onde residiam aproximadamente 150 pessoas. Com a criação do (extinto) Território Federal do Amapá, o Governo Amapaense decide implantar escolas em comunidade rurais para atender à população. Uma das comunidades seria o Igarapé do Lago. 

No início do ano de 1944, as aulas começaram em duas pequenas salas, que foram rudimentarmente construídas, ao lado da casa de Manoel Barreto, um dos moradores mais tradicionais da vila. 

Apenas em 1948, a escola ganharia uma estrutura adequada. Sua inauguração foi um momento histórico importante para a comunidade. 

A comunidade cresceu com os casamentos dos filhos das famílias pioneiras e com a migração de pessoas vindas de outras localidades, como Macapá e Vila Nova. Foram também criadas outras festas, como a do Divino Espírito Santo e a da Nossa Senhora da Conceição. Antigamente, essas festas eram feita só pela comunidade; hoje, elas se realizam com auxílio recebido dos governos municipal (Macapá) e estadual, através da associação. 

Atualmente, a principal atividade econômica para a sobrevivência da comunidade continua sendo a agricultura. O modo de vida e a organização da comunidade têm como referência o trabalho na terra. 

Percebe-se que os laços de coesão social e identidade estão fortemente vinculados à labuta e ao uso comum da terra, sendo possível afirmar que “a relação com a terra se constitui elemento aglutinador no processo de preservação de uma identidade étnica, cuja ligação com o passado contribui para a manutenção de práticas sociais e culturais singulares em um espaço próprio” (MAIA, 2012, p. 32).

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