“Para educar, tem que se dedicar”, aconselha Gentila Nobre

Dona de um coração humilde e carinhoso, a professora Gentila Anselmo Nobre, é considerada uma “Lenda Viva” para a história da Educação no Estado do Amapá, onde contribuiu em seus mais de 70 anos de profissionalismo educacional – sendo que 65 foram destinados ao povo amapaense –, ajudando na formação moral e até espiritual de centenas de cidadãos que hoje carregam o conhecimento repassado por esta pioneira. 

“Muitos políticos, engenheiros, advogados, e até médicos que existem hoje no Amapá passaram pelas minhas aulas. Alguns até hoje me procuram para agradecer”, conta Gentila, que recebeu na semana passada o blog Santana do Amapá em sua residência. 

A amazonense nascida na cidade Brasileirinha (distante pouco mais de 330km de Manaus) no dia 21 de junho de 1921, é um dos 08 filhos do relacionamento da brasileira Ana Gonçalves de Oliveira com o judeu José Anselmo (nome judaico era José Ami Salem), que concluiu ainda na sua cidade natal o curso primário que seria o pontapé inicial para uma vida dedicada à Educação. 

Gentila Nobre, recém
chegada ao Amapá.
“Desde cedo aprendíamos que nós somos o espelho da educação, e aquilo que ensinaríamos seria também repassado para outras pessoas”, descreve. 

Com a separação dos pais, Gentila Anselmo (seu nome de batismo) seria criada por uma tia que residia na região de Parintins, que acabou levando-a para a capital paraense (Belém-PA) logo após o falecimento de sua genitora anos depois da separação. 

“Naquela época era comum que as meninas fossem criadas pelas tias. Eu não me senti rejeitada, muito pelo contrário, fui bem acolhida e criada”, relembra. 

Família
Foi em Belém (PA) que Gentila conheceria o homem com quem dividiria décadas de companheirismo e respeito diante dos desafios da vida. Um jovem comerciante da cidade de Anajás (noroeste do Estado do Pará) com quem se casaria no dia 03 de abril de 1940 e resultaria na sua formação familiar. 

Gentila criou anexos escolares e distribuiu em
diversas partes distintas de Santana.
O desbravador de nome Francisco Corrêa Nobre (1916-1996) lhe daria a felicidade de ser mãe de 11 filhos, sendo que três vieram a falecer ainda na idade minoritária. Ao lado de Francisco conviveu por mais de 55 anos (até a morte deste comerciante em 1996), se tornando a mãe de Raimundo, Reginaldo, Roberto, Ronildo, Redimilson (1954-2013), Gerson, Robério, Rubens e Nadiege. 

“Meu marido não foi apenas um grande homem dentro de casa, mas um grande ser humano para muitos que o conheceram, por causa do caráter que tinha e a capacidade de trabalhar pelo bem-estar dos outros”, elogiou. 

Ao lado do marido – que era comerciante de “regatão” – subiu diversos rios da Amazônia, principalmente entre as regiões do Pará e o Amapá. 

Em 1941 sua família chega ao município de Amapá, onde ali funcionava a Base Aérea americana, região que seu marido (mais conhecido popularmente como “Chico Jacaré”, pelo fato de comercializar carnes de animais da região, incluindo o couro de jacaré) abriria um comércio com produtos diversificados. 

A pioneira ladeada por parentes.
Cerca de um ano depois, a família de Gentila – composta de três filhos e marido – segue agora para as minas de ouro existentes em Calçoene, lugar que ela mesma denominava de “paraíso do inferno”. 

“Quando chegamos em Calçoene havia duas vilas de casas. Uma composta de brasileiros e outra de franceses que não sabiam ler muito. Foi nessa vila francesa que comecei a lecionar em terras amapaenses”, conta com orgulho a pioneira, que logo depois recebeu a missão de dar aula na região de Lourenço. Isso já por volta do ano de 1944. 

“No Lourenço fui muito bem recebida, que quase não saio dali. Eram crianças e adultos que queriam aprender a ler e escrever que acabei me dedicando mais ainda esse era meu destino de ensinar as pessoas sobre a educação”, enfatiza. 

Ensino Amapaense
Com a criação do então Território Federal do Amapá, as oportunidades de desenvolverem a região recém-independente se ampliou, fazendo com que o poder público recrutasse o maior número possível de pessoas que ajudassem em diversas áreas da sociedade, principalmente na infraestrutura (mão-de-obra) e na educação (educadores). 

Professora Gentila, hoje aposentada.
Com uma experiência adquirida por inúmeros lugares amazônicos que passou, Gentila seria convidada pelo então governador do Amapá Capitão Janary Nunes para integrar o quadro de professores do Território do Amapá. 

Apesar de iniciar sua prestação de serviços ao Governo do Amapá em 1948, somente no dia 10 de abril de 1954 que ela seria efetivada ao quadro público territorial, no cargo de Educadora Primária. 

Ainda em 1954, seria designada para lecionar no Grupo Escolar existente na comunidade quilombola de Lagoa dos Índios, onde ali formou grandes amizades com as duas famílias (Silva e “Tacacá”) que ali residiam. 

Chega a Santana
Em 1956, o esposo de Gentila seria contratado pela Indústria e Comércio de Minérios Ltda (ICOMI), assumindo o cargo de Almoxarife no escritório da empresa, localizada em Porto de Santana. Com isso, a professora começaria a manter os primeiros contatos com essa região que vinha se expandindo vagarosamente em termos populacionais. 

“Não havia nada, somente os limites da ICOMI e alguns ‘punhados’ de casa em frente ao Rio Amazonas”, descreveu a educadora, que chegou de vez à localidade na tarde do dia 1º de janeiro de 1958, indo assumir um pequeno educandário – denominado Grupo Escolar “Porto de Macapá I” – que funcionava ao lado do canteiro de obras da empresa. 

Sua indicação para aquela região partiu do então diretor da Divisão de Educação do Governo do Amapá Dr.º Apolinário Costa, que viu em Gentila Nobre a vontade de implantar um progresso educacional naquele lugar. 

“Na verdade, a escola funcionava numa casa alugada pelo Governo do Amapá, com duas salas que abrigava 16 alunos matriculados”, detalhou Gentila, que recebeu os trabalhos das mãos do casal de professores José e Damaris Pastana, que lecionavam naquela escola, de forma precária, mas com dinamismo pedagógico. 

Uma Liderança educacional
Gentila contou que somente naquele seu 1º ano letivo em Santana veio uma surpresa durante o período de matriculas de novos alunos para aquela escola. 

“Havia muitas famílias em localidades mais distantes do Porto de Santana e vieram fazer a matrícula de seus filhos. Quando terminou aquele prazo, me surpreendi que havia saltado de 16 para 168 alunos matriculados, somente naquele ano de 1958”, contabilizou a professora, se referindo às inscrições de crianças, jovens e até adultos que desejavam aprender a ler e escrever. “Era gente da região do Matapí, da Ilha de Santana, da Fazendinha e até do Rio Vila Nova que vinham pra cá para estudar”. 

Hoje com 94 anos, Gentila se limita a participar de
eventos sociais, mas mantem inúmeras visitas à
instituições de educação em Santana.
Sem imaginar que teria um desafio de acomodar todos esses alunos, Gentila contou com a ajuda inseparável do marido Francisco Nobre que recorreu à diretoria da ICOMI para auxilia-lo na construção de mais duas novas salas de aula naquela escola. 

“Além de ter distribuídos turmas para funcionar nos 03 turnos (manhã, tarde e noite), contei com o apoio de três professoras contratadas pela ICOMI que vieram somar nessa caminhada, o que foi de suma importância naquele momento”, reconhece. 

Outro grande apoio – e incentivador social – que esteve acompanhando o princípio de sua luta em Santana foi o padre Ângelo Biraghi, que na época coordenava a Igreja de Nossa Senhora de Fátima e estava erguendo outra igreja nas proximidades da Vila Amazonas. 

“A ajuda do padre Biraghi também foi importante, já que muitos desses alunos matriculados foram transferidos para a Escola Paroquial que ele abriu”, apontou, se referindo ao educandário que hoje conhecemos como a Escola Estadual Padre Simão Corridori, no bairro Remédios I. 

Talento na Educação
Sua capacidade de lhe dar com o ensino e os problemas que se formam ao redor dele, fez sempre com que Gentila Nobre tivesse seu nome citado entre os mais educadores do ensino regular no Amapá. 

Tanto que em 1960 seria agora transferida para a recém-formada Escola “Porto de Macapá II”, localizado nas imediações de um núcleo populacional que posteriormente se tornaria a histórica Vila Maia. Esse novo local de ensino – hoje Escola Municipal Amazonas, no Centro da cidade – ajudou Gentila a tornar sua pessoa mais conhecida e respeitada entre seus alunos e colegas de profissão. 

“Era um local modesto, mas bem receptivo. Todos se davam bem, e não havia essa rivalidade entre diretores de escola como existe hoje”, enalteceu. 

Ficou na direção da Escola “Porto de Macapá” até 1º de junho de 1962 quando assumiu o Grupo Escolar “José Barroso Tostes” que tinha acabado de ser inaugurado. 

“A construção do Barroso (escola) somente foi possível graças à mim que insistir para criarem mais uma unidade de ensino aqui na vila de Santana. Começou com apenas 03 salas de aula, um banheiro e uma sala que servia de administração”, detalhou. 

Com a crescente migração populacional na região e a demanda estudantil se ampliando, Gentila cobrou do Poder Público que novas salas de aula fosse construída em caráter emergencial. Como o pedido não poderia ser atendido em tempo hábil – que não atingisse o calendário na época – mais uma vez contou com o apoio de populares e montou “05 anexos escolares” (contendo duas salas de aula em cada anexo) para que pudesse atender a demanda de novos alunos. Isso já em 1963. “Precisei usar até as salas paroquiais da Igreja da Vila Maia”, recorreu. 

Com isso, sua compreensão de lhe dar com as situações e seu modo de trabalhar, levaram-na a ser várias vezes indicada por seus superiores (diretores de departamento ou chefes de setores) para inspecionar o andamento de construção de obras referente a melhoramentos na área da educação na Vila Maia e nas comunidades adjacentes. 

Durante o período que esteve à frente da direção da Escola Barroso Tostes (de 1962 a 1971) garantiu que houvesse 04 grandes reformas de ampliação física na instituição, pulando de 03 para 15 salas de aula, e um quadro de 18 professores distribuídos para os três turnos. “Deixei o Barroso como uma noiva de tão bonito e espaçoso”, se empolga em contar. 

Por questões políticas, foi transferida para um Anexo Escolar que funcionava nas proximidades do escritório da ICOMI, na área portuária, cumprindo seus trabalhos como Orientadora. 

Em 1976, recebe o convite do então secretário de Educação do Governo do Amapá Professor Paulo Guerra para acompanhar os trabalhos de conclusão de uma nova escola que vinha sendo erguida na Vila Maia. Esta seria posteriormente denominada como “Escola Professora Elizabeth Esteves”, numa homenagem a uma de suas antigas alunas. 

“Quando souberam que eu iria assumir a nova escola, todos os professores que estavam no Barroso Tostes pediram transferência para o Elizabeth, tudo em razão da forma pacífica e construtiva que sempre trabalhei”, apontou. 

Porém, em 1980, Gentila retornaria à Escola Barroso Tostes, a pedido da Secretaria de Educação, o que não lhe agradou quando chegou de volta à instituição. “Estava totalmente mudado de quando deixei ele anos antes. Havia lixo por todo quanto, banheiros interditados, e muitas paredes riscadas. Parecia que eu iria começar do zero”. 

Da Escola Barroso Tostes seguiu direto para sua aposentadoria, ocorrida no dia 13 de outubro de 1983, através do Decreto n.º 1015, determinado pelo então governador Comandante Anníbal Barcellos, após cumprir um longo e conceituado serviço para a educação do Amapá por mais de 35 anos. 

“Costumo dizer para muitos que me procuram que para educar, você tem que dedicar com amor e seriedade”, aconselhou Gentila que iniciou seus trabalhos como educadora primária em grupos escolares do interior amapaense, indo depois frequentar o Curso Normal pelo antigo Instituto de Educação do Território do Amapá (IETA), e atualmente graduada no curso superior pedagógico pela Universidade Federal do Pará (UFPA) na área de Administração Escolar. 

Assistencialismo participativo
Além da área da educação, Gentila também esteve presente em diversas ações sociais realizadas em Santana desde o início da década, muitas destas com o apoio solidário da Igreja católica, entidade religiosa na qual Gentila é devota assídua. 

Em março de 1961, presidiu a Irmandade de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, ajudando o padre Ângelo Biraghi na construção da 1ª Paróquia de Santana. No ano seguinte, coordenou na elaboração do 1º Arraial Junino de Santana, contando com apoio da ICOMI e a participação de diversos núcleos populacionais existentes (Vila Floresta, Vila Toco, Duplex, Muriçoca, Pavulagem e Olaria). 

Em 1969, participaria da fundação do Grupo de Mães “Nossa Senhora de Fátima” (GMNSF), sendo eleita a 1ª presidente, conseguiu angariar inúmeros recursos para promover eventos beneficentes que ajudavam as famílias mais carentes da Vila Maia e auxiliava nos gastos orçamentários dos anexos escolares existentes (já que nessa época não havia esse “Caixa Escolar”). 

Em 1966, representou as entidades escolares da Vila Maia numa reunião com os professores da Vila Amazonas, onde formalizaram os acertos para a realização do 1º desfile cívico contendo as seis escolas existentes nos limites das Vilas Maia e Amazonas. 

Atualmente residindo na área nobre da Rua Salvador Diniz desde 1962, Gentila se limita a participar de eventos públicos, apenas visitando esporadicamente uma escola localizada no bairro Fonte Nova, pela qualquer recebe seu nome desde 1999, quando foi inaugurada para prestar homenagens à esta humilde mulher que, não apenas contribuiu enfaticamente na construção do ensino educacional no Amapá, mas também inovou e notabilizou o método pedagógico para as novas gerações.

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