“Os nazistas estiveram aqui na Ilha de Santana”

Caboclos ribeirinhos relatam ter visto submarino
aportando perto da Ilha de Santana.
Não se sabe a data exata, mas foi lá pelos idos da década de 1940 que um caboclo ribeirinho espalhou pelas nossas localidades interioranas a conversa de que viu um submarino submergindo no Rio Amazonas, próximo à boca do Rio Vila Nova, e que de dentro dele saiu um grupo de marinheiros e se dirigiu à Ilha de Santana. 

O relato desse caboclo, cujo nome caiu no esquecimento de antigos moradores santanenses, causou uma grande confusão, inclusive, com a prisão de padres estrangeiros, que na época tomavam conta do Orfanato “São José”, construído naquela década na Ilha de Santana, já que se suspeitou que o submarino era da Alemanha e que os marinheiros iam até lá em busca de informações. 

Ao ser interrogado pelas autoridades, o caboclo, meio que confuso, mudou o depoimento e disse apenas ter visto um grande barco com duas velas. Em meio a risos, os próprios padres teriam afirmado que na verdade o que o caboclo teria visto era uma embarcação tipo “regatão”, que passava pelos rios da região vendendo mercadorias aos ribeirinhos. 

Mas para alguns moradores da Ilha de Santana, a primeira versão dita pelo caboclo seria mesmo um submarino, já que nessa época, falava-se que os padres (residentes no Orfanato) costumavam agir de forma bastante estranha e recebiam “visitas muito suspeitas” nas altas horas da noite, o que era constatado pelas louças sujas que de vez em quando as cozinheiras encontravam na cozinha do Orfanato. 

E a “estória” vai mais além: conta-se que ao emergir e partir do local onde costumava ancorar, o submarino levantava enormes ondas d’águas que causavam o afundamento de pequenas embarcações, daí, talvez, justifica-se o surgimento da lenda da “Sofia”, que por muitas décadas, justamente a partir de 1940, era contada em prosa e verso por ribeirinhos e catraieiros, que diziam ser uma grande cobra com a cabeça em chamas vagando pelo Rio Amazonas, o que poderia muito bem ser um submarino e suas luzes. 

Na verdade, não se tem nenhuma comprovação oficialmente documentada de que esses religiosos (padres) recebiam marinheiros nazistas, já que nessa época a Alemanha era governada por Adolf Hitler. Contudo, sabe-se que o Orfanato “São José” foi realmente construído por alguns padres europeus em um terreno situado na parte de atrás da Ilha de Santana, e que lá eles permaneceram por um longo período até serem substituídos por padres italianos em 1948. 

A versão do caboclo ribeirinho foi contada ao blog Santana do Amapá pelo aposentado Manuel Rodrigues de Araújo, hoje com 74 anos, residente em Santana e que chegou a morar no Orfanato, tendo seu Manuel ouvido muitas histórias acerca do submarino alemão, mas não acreditando que realmente tenham acontecido. 

Expedição nazista no sul do Amapá em 1937.
“O orfanato era um tipo de quartel, tinha hora para acordar e hora para dormir. Era um lugar que você aprendia cursos de marcenaria, de dinâmicas da escola (ensino normal) e carregava isso pro resto da sua vida”, contou o aposentado. 

Uma Testemunha Ocular
Mas em cima da versão daquele caboclo ribeirinho pode-se dizer que alguns fatos vieram realmente a acontecer, ficando sob o silêncio do tempo por décadas. 

Uma prova viva de que “eventuais visitas” teriam possivelmente ocorrido naquele educandário seriam testemunhadas pela aposentada Raimunda Benedita dos Santos (conhecida como Dona Bené), hoje com 89 anos, que na época morava e trabalhava no local que inicialmente serviu de Casa de Campo para os Missionários da Sagrada Família (MSF) – também denominado de Retiro dos Padres – e depois adaptado como internato para crianças e pré-adolescentes. 

Com menos de 16 anos, Dona Bené, que é natural da região de Viseu (PA), subiu os diversos rios da Amazônia, sempre acompanhada dos pais e mais quatro irmãos, até que por volta de 1942, sua família chegou ao município de Mazagão, onde fixariam residência por algum tempo. 

“Era um lugar calmo e todo mundo se conhecia”, lembra Dona Bené sobre a cidade de Mazagão, onde ali conheceriam um padre que levaria sua família para residir no local religioso que funcionava na Ilha de Santana. 

“Tinha um padre que ia toda semana em Mazagão buscar frutas e mercadorias para levar para um retiro que funcionava na Ilha (de Santana), foi quando ele comentou com alguns comerciantes que precisava de pessoas para trabalharem no local como caseiros, daí minha família seguiu pra lá”, contou. 

Segundo a aposentada, moravam apenas três padres de origem estrangeira (cada um de nacionalidade distinta) no local, sendo que dois costumavam viajar constantemente, ficando apenas um padre – de nome Orlando Bahour que, segundo moradores da Ilha, ele seria de origem alemã –, que seria justamente o personagem de algumas situações suspeitas, posteriormente relatadas pela aposentada. 

“Esse padre falava bem pouco o nosso português e só conseguia se comunicar quando fazia gestos. Minha mãe chegava a ficar até dez minutos tentando entender o que ele queria comer ou pedia para minha mãe fazer”, detalhou Dona Bené, que ainda explicou ter presenciado várias atitudes de impaciência desse líder religioso. “Tinha hora que ele parecia ter ficado com raiva do modo que limpávamos os corredores do lugar, e só o víamos gritar, mas não entendíamos o que ele dizia, já ele reclamava no idioma dele mesmo”. 

Visita Inesperada
Dona Bené conta que o referido padre alemão deixava o Retiro sem qualquer comando superior, principalmente quando seus colegas religiosos viajavam. 

“Quando os outros padres viajavam, ele (padre Orlando) deixava o retiro sem passar qualquer comunicado para os caseiros do local e ficava muitas horas sumido, deixando para aparecer somente no final da noite”, revelou. 

Segundo relato de Dona Bené, haviam no refeitório
quatro homens fardados, além do padre alemão.
E foi numas dessas “sumidas” do padre Bahour que Dona Bené presenciou a visita de pessoas nunca vistas na região, em um fato ocorrido no início do ano seguinte (1944). 

“Como minha família dormia depois das sete da noite, minha mãe ouviu vozes altas que vinham do bloco onde ficava o refeitório do retiro. Foi quando ela me acordou e pediu para fosse ver de onde vinha o barulho, daí me levantei e peguei uma lamparina, indo até lá no refeitório”, contou em detalhes a aposentada. 

Quando Dona Bené chegou ao refeitório do Retiro – que ficava em um prédio distante dos dormitórios – se deparou com uma cena que lhe paralisou os movimentos corporais por alguns instantes: além do padre alemão que estava naquele recinto, havia outros quatro homens, uniformizados e que mantiveram um silêncio coletivo quando viram a jovem na porta do refeitório. 

“Eles estavam conversando e rindo alto, e quando cheguei na porta do refeitório, todos fizeram um silêncio que me deu medo. Ficaram me olhando sério por um bom tempo. Daí me retirei do lugar quando vi os gestos do padre Orlando mandando que eu fosse embora. Fiquei pensando de onde vieram aqueles homens, já que o Retiro não era muito conhecido na região”, relatou Dona Bené, que ainda descreveu a roupagem e o comportamento daqueles homens que visitavam o local naquele horário. “Todos usavam camisas e calças iguais, como se fosse um uniforme militar, dois estavam com a camisa aberta, demonstrando cansaço e dois pareciam está com alguma arma na cintura, já que não tiravam a mão da cintura”. 

Na manhã seguinte, outra surpresa: o refeitório encontrava-se parcialmente sujo, ficando a cargo da jovem Bené de limpar todo aquele local. “Parecia que haviam feito uma festa ali, e o mais estranho é que não fizeram qualquer barulho quando foram embora”. 

Dona Bené conta que chegou a relatar o episódio para sua mãe, que preferiu ignorar o fato, com receio de perderem a moradia que lhes foram cedidos. Tempos depois de presenciar a cena foi que Bené soube dos relatos de que pescadores avistavam possíveis submarinos nos rios próximos do Retiro. 

Em 1948, o Retiro situado na Ilha de Santana se
transformou no Orfanato "São José". (foto de 1950)
“Foi assim que entendi a possível forma que eles poderiam ter chegado ao Retiro sem ninguém ouvir qualquer barulho que não fosse de um barco”, supõe a aposentada, que ainda morou com sua família no local até o final da década de 1940, quando o local passou a ser adaptado pelo padre italiano Simão Corridori (recém-chegado ao Amapá) para funcionar como Orfanato. 

A família de Dona Bené seguiu para Macapá, onde atualmente reside. Viúva há quase duas décadas, Dona Bené teve onze filhos (nove vivos), tendo mais de 20 netos e 03 bisnetos. 

Hoje, quando questionada sobre quem seriam realmente esses visitantes à Ilha de Santana em horas tardias daquela noite, Dona Bené não se excedeu em afirmar: “Deviam ser nazistas que estavam ali na ilha”. 

Local desabitado
Hoje o antigo Retiro religioso – que depois se tornaria Orfanato – não mais existe. Segundo o aposentado Manuel Araújo, o educandário que antes era composto de três pavimentos, possuía salas de aula, biblioteca, dormitórios para os internos, oficinas, residência para os padres, refeitório e igreja. 

Em 1986, o terreno foi vendido pela Diocese de Macapá para o empresário José Valente (falecido em 2014) e o que poderia ser um importante testemunho histórico-patrimonial de Santana, está apenas na memória de quem lá trabalhou ou morou, pois, suas estruturas originais foram demolidas para serem substituídas por novas instalações balneárias, e nem suas ruínas sobreviveram para confirmar a veracidade do relato descrito por Dona Bené.

Comentários

  1. Muito bom, ja conhecia casos como os nazista em laranjal do jari, mas essa historia eu não conhecia. muito bom.

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    1. Gostaria de saber mais sobre os Nazistas em Laranjal do Jari .. se tiver um link ou algo para me enviar para que eu possa ler .. Obrigado ..

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    2. https://www.youtube.com/watch?v=a_8JRWgkYbo

      assista meu amigo, muito bom.

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    3. Morei dês da minha infância na ilha de Santana e já fui várias vezes no orfanato como é chamado agora, e vim que ainda tem resto de construções lá sim

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  2. Muito interessante isso.ia morrer e não ia saber desse fato ocorrido no amapá .

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  3. Gostei de ler sobre isso .. Muito bom !

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  4. Gostei, desconhecia essas histórias, muito interessante!!!

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  5. Nossa gente! Quantas informações legais!
    Desconhecia por completo tal fato descrito!

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  6. Realmente muito interessante o relato, nunca tinha ouvido falar sobre o assunto.....parabéns para os idealizadores do blog

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  7. Muito interessante. Saber dessas histórias isso mostra que o Amapá tem relíquias

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  8. Alguém sabe me informar em qual bairro de macapa dona bene mora ?

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  9. muito importante para a historia do Amapá,parabéns pela pesquisa..

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  10. muito importante para a historia do Amapá,parabéns pela pesquisa..

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  11. As ruínas ainda existem, porém desgatadas e o terreno como cita o texto pertence a outras pessoas, tive oportunidade de vê de perto.

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    1. Querida Vanu, essas ruínas desgastadas são de prédios que existiram entre as décadas de 1960 e 1970, quando ali funcionou uma madeireira, de propriedade d holandês Peter Van, que arrendou a área por quase 10 anos. Eu tbm pensei q fosse do Retiro dos padres (entre 1940 / 1945) ou pelo menos do Orfanato q passou a existir logo depois, mas colhi informações nos arkivos da Prefeitura de Macapá e constatei q por ali passou várias reformas e modificações. As estruturas originais da Casa de Campo dos Padres da Sagrada Família sumiram no início da década de 1950.

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    2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  12. Parabéns pelo artigo , não conhecia a historia da minha cidade.

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  13. Muito interessante este relato.
    Nao se pode deixar dar créditos a estória narrada.
    Muito interessante esses arquivos.

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  14. Verdade! Legal 👍 essa parte da historia eu não conhecia.

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  15. Nossa. Pensar q eu ja morei neste lugar. Minha mãe contava essas historias,dizia q sumia muitas crianças. É muito interessante

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  16. Nossa. Pensar q eu ja morei neste lugar. Minha mãe contava essas historias,dizia q sumia muitas crianças. É muito interessante

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  17. Nossa. Pensar q eu ja morei neste lugar. Minha mãe contava essas historias,dizia q sumia muitas crianças. É muito interessante

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  18. Este comentário foi removido pelo autor.

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  19. Meus avós, que moravam nas ilhas do Pará, nos contaram que certa vez, ele atirou com uma espingarda naquilo que ele pensava ser a cobra grande. O tamanho, as luzes, os projéteis que recocheteavam quando atingiam o alvo, indicam claramente que se tratava de um submarino.

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  20. Memorável saber mais uma história de dentro de nosso estado..
    Ja sabia a história dos nazistas em Laranjal do Jarí....
    Isso evidência claramente a falta de conhecimento dos nossos ribeirinhos em relação a submarinos ou visitantes nazistas em nossa região....

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  21. MT bom já morei na ilha, soube de algo assim nunk fui lá no orfanato ver como era por lá e nada tão aprofundado como esse documentário.

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