Há quase 20 anos, uma escola em Santana que nunca funcionou

Foto da construção inicial da Escola Bosque, na
Ilha de Santana, idealizado pelo Governo Estadual
A experiência bem sucedida de uma escola-bosque implantada em 1995 na Ilha de Caratateua, na região de Outeiro (PA), inspiraria o então governador do Amapá João Alberto Capiberibe a dar o pontapé inicial para a criação de um projeto similar no distrito da Ilha de Santana. Isso era janeiro de 1996. 

O idealizador do projeto de Caratateua, o sociólogo Mariano Klautau, e a arquiteta-urbanista Dula Lima (esta responsável pelo desenho arquitetônico da obra) vieram ainda em 1996 ao Amapá, onde se reuniram com técnicos da Secretaria Estadual de Educação (Seed) e buscaram detalhar a ideia que já era sucesso no Pará. 

A escola-bosque amapaense começou a ser construída numa área já devastada naturalmente, ocupando cerca de 4.000m², nas margens da Lagoa Dourada. 

Além das salas de aula, integradas à natureza por uma arquitetura diferente da convencional, a instituição também teria diversas oficinas. Ainda de acordo com o projeto, para a entrada da escola, foram sendo construídas seis malocas representando troncos linguísticos falados pelas tribos indígenas do Amapá. Nessas malocas funcionariam salas de leitura e oficinas de línguas indígenas. 

O ator Gracindo Jr. (detalhe) se hospedou em 2010
em um dos alojamentos da Escola Bosque da Ilha.
A mesma estrutura está hoje deteriorada
Um restaurante, uma cozinha industrial e um auditório com capacidade para 300 pessoas também estariam incluídos na obra, assim como alojamento para professores-visitantes e para alunos que ficariam em regime interno, sendo que 95% dessas vagas disponíveis na escola seriam prioritárias para os moradores da própria ilha. 

O objetivo básico desse projeto era dar ao aluno um referencial teórico-prático acerca da questão ambiental. 

Quanto aos professores que iriam atuar nessa escola-bosque, seria de competência de um Grupo de Trabalho (GT), formada na época pela Seed. Esse GT estava constituído por 16 pessoas – incluindo na época dois membros da Ilha de Santana – e diversos técnicos do Iepa, Terrap, Rurap e Sema. 

Segundo a Secretaria de Estado de Infraestrutura, cerca de R$ 1,4 milhão já tinham sido investidos na construção dos seis (06) blocos da Escola Bosque da Ilha de Santana, sem qualquer retorno educacional até o final do ano de 1999, quando ficaram faltando a realização do processo de seleção dos alunos e professores da instituição. 

O que antes seria o refeitório, está abandonado
Um Centro de Referência
Em setembro de 2000, o Governo do Amapá formalizou um convênio com a Associação dos Produtores Rurais do município de Santana de quase R$ 100 mil, transformando a Escola Bosque da Ilha de Santana em Centro de Referência em Educação Ambiental, destinado a oferecer o Ensino Médio, agora com uma metodologia socioeducativa. 

O objetivo seria conscientizar uma educação de qualidade voltada para a formação de cidadãos aptos a lidar com o sistema sociocultural e econômico onde se inserem, respeitando e utilizando os recursos naturais de forma racional. 

Nessa nova continuidade do projeto em construção, agora constavam o Pórtico de entrada, guarita, modulo com quatro blocos de alojamentos para visitantes, módulo de ensino com seis salas de aula, lavanderia, cozinha e refeitório, com nova previsão de entrega do Centro de Referência para o janeiro de 2001. 

O espaço educativo agora tomado pelo matagal
Até esta data prevista, já haviam sido gastos mais de R$ 3 milhões em todo o projeto (em execução), onde englobaria novos blocos como Núcleo de Cultura Indígena, brinquedoteca, salas de ensino especial, de leitura, de descanso, laboratórios de botânica, pedagogia, módulos de 1º e 2º graus, administração e sala dos professores/planejamento. Tudo apenas parte de planos teóricos que não sairiam definitivamente do papel. 

Espaço Escolar e Comunitário
No início de 2003, mais de 85% de toda estrutura física da Escola Bosque da Ilha de Santana – ou Centro de Referência como chegou a ser denominado – já estava construído, faltando apenas os chamados “empecilhos decorativos e regionais” do local, o que acabou impedindo com que os blocos pudessem exercer seus principais objetivos, somente aguardando por vistorias técnicas por parte da Defesa Civil (Bombeiros) e da própria Secretaria de Estado de Infraestrutura (Seinf). 

No final desse mesmo ano, a Seinf constatou que a rede de energia elétrica da instituição estaria inadequada para o padrão que iria atender em termos escolares, sendo preciso fazer uma nova licitação para a contratação de uma empresa que faria a revisão da parte elétrica de toda Escola Bosque, fato que não se concretizou pelos anos seguintes, e mantendo a mesma instalação elétrica já distribuída nos blocos desde 2002. 

Passarelas que eram usadas no local, sumiram
Em fevereiro de 2004, a Secretaria de Estado de Educação (Seed) interditou a Escola Estadual Osvaldina Ferreira da Silva – também localizada na Ilha de Santana – que passaria por uma completa reforma, devido não está mais oferecendo condições físicas e institucionais, tanto para a classe estudantil como para os professores. 

Para evitar que aquele ano letivo não fosse prejudicado, a Seed passou a utilizar cinco dos seis blocos existentes na Escola Bosque da Ilha, devido esta oferecer melhores condições de espaço, apesar que dois desses blocos ocupados ainda passaram por adaptações para receber cerca de 400 alunos. Nessas reformas de ampliação e adaptação, o Governo do Amapá ainda desembolsou quase R$ 400 mil, usados na parte hidráulica (compra de caixa d’água e tubulação), mobiliária e divisão de compartimentos, além da contratação de mão-de-obra local. 

Vale ressaltar que essa Escola Bosque foi sendo construída numa área fora dos limites da comunidade de Ilha de Santana, sendo preciso o uso diário de um ônibus escolar que recolhia os alunos e professores na Praça da Ilha, acumulando um gasto mensal que chegava a R$ 10 mil (referentes a combustível e serviços mecânicos no veículo). 

As salas didáticas não cumpriram seus objetivos
Um estúdio cinematográfico
Em julho de 2010, a empresa cinematográfica SincroCine – responsável pela produção do filme “Tainá 3” – aportou na Ilha de Santana, desembarcando seus equipamentos de filmagens nos alojamentos existentes à escola-bosque, por constatarem que o local apresentava diversos compartimentos divisórios que serviriam para a montagem dos cenários que seriam utilizados no filme. 

Durante duas semanas, o espaço serviu como um tipo de QG (“Quartel-General”) da produtora, onde renomados atores nacionais – como Gracindo Júnior e Guilherme Beringuer – ainda usufruíram de um descanso regional. 

“Mesmo inacabada, o pessoal gostou de ficar descansando lá. Se sentiam bem à vontade”, relembra a doméstica Graciete dos Santos, que reside nas proximidades da entrada do ramal que dá acesso à escola-bosque, que ainda chegou a conversar com os atores do filme. “Eles achavam muito quente o local, mas gostaram de conhecer a região”. 

Governador Camilo Capiberibe visitando o local
onde funcionaria a Escola Bosque, em 2011.
Intervenção do Ministério Público
No dia 30 de agosto de 2011, o Ministério Público Estadual, por meio do promotor de Justiça Adilson Garcia instaurou um Inquérito Civil Público para apurar a construção dessa Escola Bosque na Ilha de Santana. O objetivo seria responsabilizar os gestores que por omissão causaram danos àquela importante obra, buscando o ressarcimento dos valores necessários à recuperação nas suas pessoas físicas. 

Segundo o promotor de Justiça Adilson Garcia, o Governo do Estado do Amapá, por seu ex-governador João Alberto Capiberibe Rodrigues executou a citada obra em meados da década de 1990, tendo parcialmente concluída a mesma no final de seu mandato, porém, durante praticamente os 08 anos da primeira gestão de Waldez Góes, seu abandono causou danos estruturais em todos os prédios construídos. 

“A Escola Bosque da Ilha de Santana está em visível abandono, oportunizando a deteriorização daquele patrimônio. Os indícios de descaso das autoridades Estaduais desde a sua conclusão é notório, uma vez que a administração estadual anterior em tese permaneceu inerte em relação aos fatos, não mostrando nenhum interesse em resgatar este patrimônio público estadual e não aplicando verbas públicas no setor”, ressaltou na época o promotor de Justiça Adilson Garcia. 

O promotor solicitou ainda que já o governador Camilo Capiberibe, e os ex-governadores, João Alberto Rodrigues Capiberibe e Antônio Waldez Góes da Silva e o então secretário de Estado da Educação, cópias fiéis de todos os documentos, referente às obras de construção dessa Escola Bosque santanense, inclusive os projetos (primitivo e o final), orçamentos, dossiê da licitação, ordens bancárias, ofícios, extratos da conta bancárias do convênio, notas fiscais e de empenho, relatórios de fiscalização, entre outros. 

Até onde se sabe, o inquérito impetrado pelo Ministério Público do Amapá não foi concluído de maneira positiva, até por que o Poder Público responsável pela obra (Governo do Estado) não apresentou toda a documentação exigida pelo MP. 

Um Projeto Inacabado
Segundo informações levantadas por moradores da Ilha de Santana e ex-professores que ainda participaram do projeto de implantação da Escola-bosque, o espaço até então construído serviu apenas para objetivos que fugiram de seus verdadeiros propósitos pedagógicos. 

“Até o final de 2010 ainda era possível ver alguns prédios da escola ainda intactos, que serviram mais para reuniões comunitárias e eventos da comunidade, mas o Poder Público acabou deixando que o projeto se perdesse antes mesmo que fosse concluído”, lamentou o professor Carlos Mesquita, residente em Macapá, que ainda lecionou Matemática na Escola Estadual Osvaldina Ferreira (na Ilha de Santana) quando o Corpo Docente ficou utilizando o espaço da escola-bosque durante as reformas do antigo prédio estadual. “Ainda vi várias salas de aula que seguiam um estilo de construção bem regional e arrojado. Foi tanto dinheiro investido em um projeto que com certeza teria dado certo”. 

As estruturas prediais que um dia teriam sido exemplo de padrão regional, estão agora escondidos pelo extenso matagal do local, ou se não, deteriorado pelo desgaste do tempo. 

Com passarelas de madeiras cobertas pelo mato, as trilhas não são facilmente encontradas pelos pedestres e até restos de veículos são vistos jogados no local, assim como também o próprio acesso viário ao local, tudo em virtude de não ter tido qualquer atenção das autoridades competentes com o referido projeto. 

“Pode-se dizer que foram sonhos que já se perderam pela incompetência administrativa das autoridades. Um sonho que poderia ter dado certo se tivesse chegado até o final”, disse o professor Mesquita. 

As pessoas que desejarem visitar o local onde estava sendo construída a escola-bosque da Ilha Santana, basta desembarcar (via Rio Amazonas) na rampa do distrito da Ilha de Santana e consultar qualquer pessoa que fará o frete até o local, que fica situado em um ramal distante do núcleo urbano da Ilha, há quase 4km da rampa de acesso. 

O blog entrou em contato com a Secretaria de Estado da Educação para buscar maiores informações sobre a paralisação das obras desse importante projeto educacional, mas não obtivemos respostas. 


Nota do Blog: Somando todos os valores descritos na matéria, desde o início de sua construção em meados da década de 1990, foram aplicados cerca de R$ 4 milhões na implantação da Escola Bosque da Ilha de Santana, recursos que, segundo informações consultadas dos jornais da época, partiram do próprio Governo Estadual, sem que pudesse alcançar seus verdadeiros objetivos.

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