Após 60 anos, trens do Amapá estão atualmente parados

Trem do Amapá já viveu seu "período de ouro"
Até pouco mais de dois meses era possível escutar o som ensurdecedor do apito de saída e chegada de alguma locomotiva que percorria os quase 200km de estrada de ferro (ferrovia) que deixa a estação do município de Santana com destino à Serra do Navio, tendo tempo de desembarcar passageiros em outras duas cidades amapaenses: Porto Grande e Pedra Branca do Amaparí. 

No início, a viagem ferroviária chegava a durar até 10hs, mas com o passar do tempo, foi se tornando mais rápido sua chegada à cidade serrana. 

“Quando o trem começou a levar as primeiras pessoas (aquelas que moravam nas imediações do limite ferroviário), a diretoria da ICOMI deixou bem claro que não aceitaria qualquer bagunça na parte interna dos vagões, se não o infrator desceria lá mesmo”, comentou o professor de História Anselmo Ferreira, hoje com 47 anos, nascido em Porto Grande, na qual acompanhou durante toda sua vida o trajeto memorável que os trens da extinta mineradora ICOMI (Indústria e Comércio de Minérios Ltda) realizavam diariamente, carregando milhares de toneladas de minério de manganês para o Porto de Santana, e auxiliando na integração de comunidades isoladas do então Território Federal do Amapá. 

“Meu pai chegou no Amapá em 1952, contratado pelo mineradora ainda em Belém (PA), onde precisavam com urgência de um montador. Como ele já havia trabalhado na construção de vários edifícios na capital paraense, achou a proposta muito valiosa e decidiu arriscar, vindo parar aqui no Amapá”, lembrou Anselmo, que comentou sobre o testemunho que o pai viveu no ano de 1955, quando assistiu a chegada das primeiras locomotivas que seriam usadas na região. 

“A empresa (ICOMI) informou com antecipação para os operários que estavam lotados na construção do porto de minérios em Santana e em Serra do Navio de que chegaria um maquinário muito importante naquela fase de implantação da empresa aqui no Amapá. Mas eles não disseram que se tratava de três grandes locomotivas. Somente quando o cargueiro americano se aproximou do canteiro da ICOMI foi que a ficha caiu para os operários, que se debruçaram com todas as forças para desembarcar essas locomotivas. Aquele foi um momento pra eles (os operários) guardarem pro resto da vida”, detalhou com emoção o professor Anselmo. 

1955: Desembarque das locomotivas no Amapá
A chegada internacional
No dia 11 de março de 1955, três locomotivas fabricadas pela multinacional General Motors (GM), deixariam o Porto suburbano de Letron, em Nova Yorque (EUA). A partida seria assistida pelo Dr. Augusto Trajano Antunes (diretor-presidente da ICOMI), Mr. HUmmel (US Sttel) e Sr. Lerry James (representante da General Motors-GM, empresa que fabricou as 03 primeiras locomotivas que foram vendidas para a ICOMI, em contrato firmado em 1954). 

Essas locomotivas eram tipo diesel-elétricas SW de 1200HP, projetadas por engenheiros-ferroviários da Electro-Motive Division, setor vinculado à multinacional G.M. 

Trazidas para o Brasil no cargueiro norte-americano Mormacwan, da frota Moore Mc Cormack, atracou no canteiro de obras do Porto da ICOMI, em Santana, no final da tarde do dia 30 de março de 1955, onde mais de 40 homens tiveram que usar da força braçal e de alguns guinchos inconfiáveis para içá-los. (Detalhes da chegada) 

As históricas viagens
Inicialmente, essas locomotivas ficaram servindo apenas para o transporte de materiais internos da mineradora ICOMI entre os anos de 1955 e 1956. Com o início da exportação mineral (em 1957), ficou estabelecido os primeiros horários semanais de viagens entre Santana e Serra do Navio para os colonos que residiam nas imediações na ferrovia. 

A partir de 1960, os trens já estariam na chamada “rota de acesso opcional”, ou seja, surgiriam novas estações durante o trajeto Santana-Serra do Navio, para aqueles que quisessem se deslocar para localidades agrícolas como Porto Grande, Campo Verde, Porto Platon, Colônia do Matapí, Cupixi, Cachorrinho, Água Branca e Pedra Branca, se tornando até mesmo um suporte na comercialização de produtos oferecidos por colonos residentes nessas regiões, engrandecendo consideravelmente no desenvolvimento sustentável de centenas de famílias interioranas. 

Trem levou autoridades nacionais e internacionais
E junto com esses benefícios regionais, viria sua popularidade a nível nacional. Seria de praxe que as constantes visitas oficiais de importantes personalidades do âmbito nacional ao Amapá tivessem na agenda um memorável passeio de trem no percurso do Porto de Santana até a Vila operária de Serra do Navio. 

Foram 05 Presidentes da República, mais de 80 chefes ministeriais, cerca de 60 embaixadores e diplomatas de inúmeros países, assim como centenas de autoridades da política, da cultura, da religião e da sociedade civil organizada, que se deslumbraram com as belas paisagens interioranas vistas durante essas viagens ferroviárias. 

Não se tem um número preciso de passageiros que tenham viajado nessas mais de seis décadas, porém, estima-se que mais de 600 pessoas utilizavam semanalmente a linha férrea para condução ao trabalho ou como transporte comercial. 

Suas Concessões
Do auge do seu tempo de vida, quando transportava minérios de manganês para serem levados para diversos continentes, viriam seus primeiros problemas, tanto técnico como administrativo. 

Ferrovia já teve três concessões particulares
Em meados da década de 1980 foram registrados os primeiros casos de descarrilamentos ferroviários, quando vagões saíram acidentalmente da linha férrea, causando grandes preocupações por parte de sua concessora (a ICOMI), que ainda testemunharia outros 07 (sete) descarrilamentos até o final de seu contrato de exploração mineral com o Amapá em 2003. 

Em março de 2006, a empresa MMX (do então empresário bilionário Eike Batista) formalizaria um contrato de concessão com o Governo do Amapá, assumindo a ferrovia amapaense pelo prazo de 20 anos, o que acabou não se cumprindo. 

Em agosto de 2008, um contrato de venda firmado entre a MMX e a Anglo Ferrous entregaria a Estrada de Ferro do Amapá para um novo grupo estrangeiro, se mantendo responsável técnico e operacional da ferrovia até novembro de 2013, quando novamente ela teria um novo concessor: atualmente estando a cargo da empresa Zamin Ferrous. 

Triste situação
Para um sistema ferroviário que detém de centenas de histórias de vidas transportadas em seus vagões, sua atual situação não vem sendo visto pelas autoridades competentes. 

Em janeiro deste ano (2015), a empresa Zamin iniciou um processo de contenção de gastos administrativos e financeiros em quadro, onde incluía a tabela semanal de viagens que os trens faziam entre as cidades de Santana e Serra do Navio. 

Ferrovia do Amapá está atualmente sem funcionar
O fato não agradou as dezenas de trabalhadores colonos que residem nas imediações da ferrovia, que utilizavam deste meio para o transporte de seus produtos agrícolas. 

Em sua justificativa, a empresa alegou que estava efetuando manutenção na ferrovia, e que tais serviços seriam concluídos em menos de 60 dias. No entanto, a situação se prolongou com o período chuvoso, afetando ainda mais seus usuários que hoje somam prejuízos incalculáveis. 

No início deste mês, o Governo do Amapá anunciou o interesse de intervir na atual concessão da Estrada de Ferro do Amapá, com intuito de assumir parte da situação técnica como forma de amenizar a triste situação de uma das mais antigas ferrovias do Brasil.

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