Médicos são "bolsistas" do PSF em Santana

Denúncia publicada no Jornal "A Gazeta / Amapá" de 07 de março de 2012

Em dezembro passado, o secretário municipal de Saúde de Santana, Plínio Silva da Luz, dispensou os últimos remanescentes de um lote de médicos contratados como bolsistas do Programa Estratégia Saúde da Família (PSF), a partir de 2010. Sem direito a férias, 13° terceiro salário e licença maternidade, o pagamento de bolsas por meio do PSF, com recursos do Ministério da Saúde, foi um artifício para complementar os salários de 29 médicos, que haviam sido aprovados no concurso público de 2008.

Os decretos de nomeação dos 29 médicos foram assinados pelo prefeito Antonio Nogueira e pela então secretária municipal de Saúde, Clélia Jeane da Silva Reis Gondim. Ao assumirem seus postos de trabalho, em março de 2008, os médicos tinham rendimentos de R$ 8 mil. O contracheque da época é um primor de engenharia administrativo-financeira. Embora o salário-base fosse de apenas R$ R$ 1.130,43, a gratificação de R$ 6.560,48 do PSF insuflava o holerite, que era acrescido da gratificação de nível superior, de R$ 226,09, e adicional de insalubridade, de R$ 83,00.

Em 2009, a gratificação do PSF dos médicos caiu para R$ 4.560,48 e reduziu os rendimentos para R$ 6.102,01. Nesse ponto, os 29 médicos começaram a reclamar, mas continuaram trabalhando. No entanto, em 2010, o novo secretário da Saúde, Carlos Alberto Nery Matias, que também é vice-prefeito, transformou a gratificação do PSF em bolsa.
Uma das cláusulas do Termo de Adesão ao PSF, que transformou os médicos concursados em bolsistas, retirou-lhes o direito a férias remuneradas, adicionais e 13º salário. Além disso, o artifício da Prefeitura de Santana obrigou os médicos a assinar duas folhas de ponto, uma como contratados, outra como bolsistas. 

Irregularidades e assédio moral - As irregularidades na contratação de médicos bolsistas do PSF pela Prefeitura de Santana foram denunciadas à Polícia Federal, ao Ministério Público Federal no Amapá (MPF/AP) e ao Tribunal de Contas da União (TCU). Além das ilegalidades comprovadas pelo TCU, a maioria dos 29 médicos também denunciou o assédio moral e pediu desligamento dos contratos.

Após ser aprovada no concurso, a dermatologista Fabíola Ferreira Oliveira conta que aderiu ao PSF em 2008. “Os salários eram fracionados e, para isso, assinamos dois contratos em branco, um deles como bolsistas, mas não recebemos cópias dos documentos”, relata. Fabíola rompeu o vínculo com o PSF em março do ano passado, também em função das péssimas condições de trabalho, que ela classifica de assédio moral.

“Sem falar na redução gradativa dos nossos rendimentos, de não ter direito a férias e 13º salário, ainda tínhamos que cumprir 24 atendimentos a pacientes e fazer 10 visitas diárias a residências em Santana, uma exigência humanamente impossível de realizar”, desabafa.

A dermatologista denunciou ainda que, durante a vigência do contrato, a prefeitura descontou-lhe o Importo de Renda, mas não repassou os recursos à Receita Federal. “Quando fiz a minha declaração tive que pagar o imposto de Renda novamente”, denuncia.

Entre os médicos bolsistas, a situação mais humilhante foi vivida por uma clínica geral, que prefere não identificar-se. Com uma gravidez de risco, ela teve negado o direito à licença-maternidade. “Trabalhei durante todo aquele período e não tive direito à licença maternidade, mesmo com a comprovação de que a minha gravidez era de alto risco. Felizmente, consegui me desligar do contrato”, disse.

À época em que a médica sofreu o assédio moral o secretário municipal de Saúde de Santana era Carlos Alberto Nery Matias, o mesmo que assinou os contratos de médico-bolsista. 

Mesmo com essas condições desumanas de trabalho, ironicamente, as folhas de ponto dos médicos eram autenticadas pela Divisão de Humanização da Secretaria Municipal de Santana.

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