“Missão cumprida”: O sequestro de um navio que abalou o mundo em 1963

Na manhã de 13 de fevereiro de 1963, quando o governo venezuelano comemorava o Dia da Juventude, um comando de guerrilheiros das Forças Armadas de Libertação Nacional (FALN), todos formados por militantes do Partido Comunista da Venezuela (PCV) e do Movimento de O Izquierda Revolucionado (MIR) invadia o navio mercante venezuelano ‘Anzoátegui’, que navegava para o México e os Estados Unidos. 

Até então não se sabia qual era o objetivo do golpe. A ação teve notável ressonância internacional. Mais tarde soube-se que tudo foi planeado para denunciar os abusos do então governo de Rómulo Betancourt, que estava à frente da Presidência da Venezuela. 

Wismar Medina Rojas, de 28 anos, segundo oficial de convés, em cumplicidade com os dirigentes das FALN, garantiu o sucesso do apoderamento do cargueiro. 

No dia anterior, com o navio atracado no porto de La Guaira, ele trouxe as armas de fogo a bordo em uma mala.

O comando era composto por oito homens sob as ordens de José Rómulo Niño e que também incluía Paúl del Río (também conhecido como Máximo Canales), de origem asturiana. 

Os outros sequestradores seriam: Federico Fernández Ackermann, Tomás Pereira, Carlos Hidalgo, Antonio López, Jesús María Hernández, Héctor Fleming Mendoza e Carlos Gil Palmas. 

Um plano para o sequestro do navio 
Os militantes embarcaram e se misturaram com um grupo de visitantes interessados em ver o navio e, aproveitando a troca de guarda, permaneceram escondidos na cabine de Medina Rojas por nove horas, com a incerteza de que sua ação pudesse ter sido traída ou fosse uma ação nacional. 

E quando o navio ainda navegava perto da costa venezuelana, “houve uma mudança abrupta de comando na própria sala”, de onde o timoneiro dirigia o rumo conforme instruções do capitão da marinha mercante Oscar Pereira. 

O navio, da Companhia Anônima Venezolana de Navegação (CAVN), que seguia para Houston e outros portos do Golfo do México, foi parar em uma das fozes do Rio Amazonas, no Brasil. 

Após o aviso de Medina Rojas, os guerrilheiros invadiriam a ponte de comando, tomando o controle da estação telegráfica e da casa de máquinas. 

A tripulação, que naquele momento tomava café da manhã, não resistiu. Os sequestradores mandaram virar o rumo para o leste, passando por Santa Lúcia, nas Antilhas orientais em direção ao Brasil. 

O arsenal dos sequestradores 
O capitão Pereira foi subjugado e confinado em sua cabine, enquanto os sequestradores fortemente armados vigiavam a ponte de comando e a casa de máquinas. 

Segundo relato do próprio guerrilheiro José Rómulo Niño, o arsenal utilizado na operação de sequestro do Anzoátegui consistia em uma submetralhadora UZI e outra Madzen; uma carabina M2; uma pistola 45; um 6.35 e um terceiro da marca Mauser. 

O sequestro do navio ‘Anzoátegui’ durou uma semana. Por pouco mais de 24 horas o navio ficou completamente silencioso, navegando dia e noite. Quando os captores resolveram abrir o rádio, apenas transmitiram informações falsas para desmentir a mídia internacional sobre a intenção e alcance da ação. 

Assim que o evento foi conhecido, o governo de Rómulo Betancourt – contra quem a ação foi dirigida – mobilizou a Marinha venezuelana sem sucesso. Ele também pediu ajuda ao governo dos EUA, que já tinha o U.S. Marinha em operações de rastreamento, pois esperavam que o navio fosse levado para Cuba, já que a “Rádio Havana” havia informado que o regime de Fidel Castro daria asilo político aos subversivos e o navio seria entregue às Nações Unidas. 

Sem combustível e sitiado pelos EUA 
Ao entrar em águas territoriais brasileiras (mais precisamente na região da Ilha do Maracá, no Amapá), após quatro dias de sequestro, o Anzoátegui foi localizado por aviões da USAF. Eles dispararam cerca de 15 mísseis ar-terra com a rigorosa missão de intimidar. Todos os foguetes atingiram a água, muito perto do navio. 

O comandante Canales, vendo-se descoberto e evitando uma incursão da Marinha dos EUA, ordenou então que entrasse na foz do Rio Amazonas. O cargueiro já arvorava a bandeira preta e vermelha das FALN. 

Asilo para os envolvidos 
Navegando por um dos grandes braços do Rio Amazonas, sempre com intenso tráfego de navios, o ‘Anzoátegui’ entrou na madrugada do dia 20 de fevereiro na região portuária da pequena vila de Santana, no então Território Federal do Amapá, onde foram levados pelo piloto designado que, ao embarcar no navio, também o fez – em uma operação limpa e contundente, militares que desarmaram o grupo de seqüestradores, com a garantia de dar-lhes proteção e asilo político. 

Chegada ao Amapá 
“Missão cumprida. Alcançamos nosso objetivo”. Estas foram as palavras do oficial de tripulação Wismar Medina Rojas, no momento em que desembarcava no navio na vila de Santana, juntamente com os demais oito militanes da FALN. 

Eles relataram que não houve nenhum ato de violência a bordo do mercante, embora os tripulantes não revolucionários, apesar de cumprirem rigorosamente as ordens recebidas, não falaram com os que se diziam revolucionários. 

O mesmo aconteceu durante toda a viagem pela foz do Amazonas, onde foi capturado o ‘Anzoategui’. Durante as mais de 24 horas que o navio permaneceu atracada em frente à vila portuária, a população local observava de longe o movimento de repórteres, fotógrafos, cinegrafistas, alugando barcos a preços astronômicos para chegar a ‘Anzoátegui’

Eles não entenderam nada sobre o que estava acontecendo, nem tentaram descobrir. Os santanenses limitaram-se a testemunhar o episódio que alterou a monotonia amazônica.

Somente na manhã do dia seguinte (21), todos os envolvidos viajaram para o Rio de Janeiro e foram encaminhados ao hospital militar de Nova Friburgo. 

Objetivos da ação 
Schael e Capecchi afirmaram, com base em entrevista publicada na Revista Elite em 02 de março de 1968, que a falta de combustível, o medo de ser atingido pelo contratorpedeiro Nueva Esparta e o cerco de aviões da Marinha dos Estados Unidos que sobrevoavam intermitentemente o ‘Anzoátegui’, foram os estopins para a rendição do grupo subversivo, que esperava melhor tratamento do presidente João Goulart. 

No entanto, o governo brasileiro negou vistos aos guerrilheiros para permanecer em seu território e, com passaportes falsos fornecidos por dois militantes do MIR peruano, os sequestradores chegaram a Paris e de lá voaram para Cuba, para retornar à Venezuela via Nova York, Miami, Panamá e Colômbia. 

Enquanto estavam em Cali, fugiram para entrar no país pela fronteira colombiana-venezuelana, quatro meses e meio depois do sequestro do cargueiro Anzoátegui, em junho de 1963.

* Informações repassadas do site Morfema Press, fotos do arquivo do Blog.

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