Da ICOMI à Anglo: Um cais de conquistas, polêmicas e tragédias

O segundo maior município do Estado do Amapá ainda detém um longo luto devido ao desmoronamento ocorrido na madrugada daquele dia 28 de março de 2013, onde grande parte da estrutura portuária que vinha sendo utilizada há mais de 60 anos para o embarque de minérios e materiais diversificados, desabou e causou a morte de pelo menos seis operários que se encontravam trabalhando no local. 
 
Para muitos, o triste fato que ceifou tais vidas foram causados pela possível sobrecarga de materiais técnicos (caminhões e tratores), assim como a estocagem de milhões de toneladas de minérios que estavam aguardando para sempre embarcados para o exterior, onde insistem em alegar que o desabamento terrestre não estava propriamente previsto. 
 
Porém, há relatos contidos em registros históricos de que desde a construção das instalações portuárias, ainda iniciadas no final da década de 1940, muitos acontecimentos chegaram a ser advertidos sobre a chamada “tragédia anunciada” que recentemente resultou nas citadas mortes, mas que poderiam ter sido obviamente evitadas. 
 
O contrato que iniciou a construção do porto 
Em 04 de dezembro de 1947, através do Decreto Federal n.º 24.156 fica autorizado o Governo do então Território Federal do Amapá a contratar a Indústria e Comércio de Minérios Ltda. (ICOMI) para explorar o minério de manganês existentes nas margens do Rio Amaparí.
 
No contrato, que possui 58 cláusulas, está descrito as obrigações da empresa arrendatária que a tornam independente para efetuar estudos de levantamentos topográficos, geológicos, sondagens, perfurações de galerias e outros processos aconselhados pela técnica. 
 
Das cláusulas 25 à 28, estão as possibilidades da empresa arrendatária (ICOMI) conceder do Governo Federal uma concessão para a construção de instalações portuárias no Rio Amazonas ou qualquer outro local conveniente, destinado exclusivamente ao embarque de minérios em navios que o transportarão para o mercado nacional e internacional. 
 
Em fevereiro de 1948, com intuito de auxiliar a empresa ICOMI nos trabalhos de levantamento topo-hidrográfico para construção do píer flutuante privativo, o Governo do Amapá designa o Engenheiro Ataualpa Albuquerque Maranhão e o topografo-auxiliar Leopoldo Leontino de Queiroz Teixeira (ambos da Divisão de Obras) para prestarem serviços na referida obra. 
 
Ainda no mesmo mês, o governo amapaense já tinha em mãos o relatório final de uma sondagem que mandara fazer sobre as condições de navegabilidade do Canal Norte do Rio Amazonas. 
 
O relatório sustentava que tanto o futuro porto de embarque de Santana quanto o canal norte poderiam receber navios de grande calado, se fossem feitas as pesquisas e as demarcações adequadas. 
 
No início do ano de 1949, a mineradora ICOMI inicia a chamada de novos braçais e operários para trabalharem nas minas manganíferas do Rio Amaparí, e na construção de um cais provisório para o recebimento de equipamentos e materiais para a montagem do futuro atracadouro industrial da mineradora. 
 
Em 10 de abril de 1951, é aprovado pelo Ministro do Estado, o projeto e orçamento para a construção do Porto Industrial de Macapá, em Santana, de acordo com ofício n.º 1.435 desta data. 
 
Em maio de 1951, o navio norte-americano Cuthbert, da Boothline, atraca em frente ao píer provisório de Santana (em construção), onde desembarca material metálico a ser utilizado na montagem do futuro porto de embarque da ICOMI. O navio estava sob o comando do Capitão Frederico H. Good, e deixa o Porto de Santana no dia 21 de maio corrente. 
 
Em junho de mesmo ano (1951), o Governo do Amapá apresenta ao Governo Federal as plantas e projetos da estrada de ferro Porto de Santana-Serra do Navio e do cais flutuante. Os projetos são de autoria das empresas Morgan, Proctor, freeman & Hueser e Foley Brothers Inc. (EUA). 
 
Em 23 de junho de 1952, o Navio Hidrográfico (NHI) “Rio Branco”, pertencente à Diretoria de Hidrografia e Navegação do Ministério da Marinha, aporta no canteiro de obras do porto da ICOMI em Santana, para realizar o levantamento do Canal Norte do Rio Amazonas, incluindo estudos sobre as condições físico-geológicas do atracadouro que vai receber navios e cargueiros de grande calado com intuito de exportar minério de manganês. 
 
Somente em 30 de março de 1953, a empresa ICOMI envia um requerimento ao Departamento Nacional de Portos, Rios e Canais, solicitando permissão para construir e usar um embarcadouro de minério, no regime de trapiche no local denominado Porto de Santana, em frente a Ilha de Santana, no Território Federal do Amapá. (Diário Oficial da União, de 01/04/1953) 
 
Em 3 de novembro de 1955, parte do primeiro cais provisório, construído pela ICOMI para receber os navios que traziam material pesado para a montagem do porto industrial e para a ferrovia Santana-Serra do navio, desaba em virtude de fortes deteriorações causadas nos esteios que sustentavam sua pequena estrutura e vinha sendo constantemente atingida pelos fortes movimentos das águas do Rio Amazonas. Não houve vítimas na queda desse cais. 
 
Em outubro de 1956, estando com mais de 90% de sua estrutura montada, o novo porto industrial de Santana recebe (ainda sob fase experimental) seu primeiro carregamento de minério de manganês vindo de Serra do Navio, ficando o minério temporariamente estocado no pátio industrial da ICOMI em Santana. 
 
Diversos testes operacionais vão sendo realizados no período de outubro e dezembro desse mesmo ano como forma de manobrar o embarque e desembarque de minérios e mercadorias pelo porto industrial da ICOMI e posteriormente iniciar sua etapa oficial de exportação mineral. 
 
Em 05 de janeiro de 1957, com a presença do Presidente da república Juscelino Kubistchek e diversas autoridades nacionais e territoriais, inicia-se o processo de embarque e exportação de minério de manganês pelo novo Porto de embarque da ICOMI, em Santana, sendo que o primeiro embarque seguiu no navio Aretis-X, com destino a Baltimore (EUA), levando mais de 10 mil toneladas de manganês. 
 
Em Janeiro de 1969, o navio Almirante Saldanha, da Diretoria de Hidrografia e Navegação do Ministério da Marinha atraca no porto industrial da ICOMI em Santana, com intuito de iniciar estudos sobre a geologia marinha do Brasil, começando pela foz do Rio Amazonas, através de uma operação oceanográfica denominada GEOMAR I, sob o comando do Capitão Paulo Fernandes. 
 
Em parte desse relatório, concluído somente em setembro de 1971, foram constatados que “a plataforma continental do braço norte do Amapá já vêm sofrendo constantes oscilações em virtude dos movimentos litorâneos do rio Amazonas”. 
 
De um tremor sísmico à Anglo
Em 20 de outubro de 1993, uma gigantesca onda de água se formou no canal do Rio Amazonas, provocando o desabamento de uma esteira do cais da ICOMI e causando pânico aos barqueiros que estavam na área portuária de Santana. Não houve vítimas fatais, apenas danos em embarcações que estavam atracadas. 
 
Em 14 de fevereiro de 2004, a empresa ICOMI realiza o último embarque internacional de minério de manganês com destino à China, para onde são levado mais de 40 mil toneladas do minério, vendidos para a Meta Wise, empresa de siderurgia da china comunista. O minério é embarcado no cargueiro iraniano Iran Ashrafi, com o preco do minério feito por US$ 9,5 milhões. 
 
Em 20 de março de 2006, a multinacional MMX assume o controle acionário da antiga ICOMI, respondendo pelos serviços na ferrovia Santana-Serra do Navio e do Terminal Privativo de minérios em Santana. 
 
Em 10 de dezembro de 2006, é realizada a apresentação ao Conselho Estadual de Meio Ambiente (COEMA) do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) da área do porto privativo da MMX em Santana. 
 
Durante a apresentação dos tópicos relativos aos meios físico, biótico, e socioeconômico, foram levantadas questões principalmente a respeito das influências do projeto sobre a comunidade do Elesbão e o já conhecido problema do passivo ambiental deixado pela ICOMI na referida área portuária. 
 
Em 09 de janeiro de 2007, a empresa MMX Amapá realiza no auditório do antigo Cine Amazonas (Vila Amazonas), uma audiência pública, onde é discutido o projeto de construção do novo Terminal de minérios e metálicos do Amapá, a ser adaptado nas proximidades do atual Porto de embarque de minérios anteriormente utilizado pela ICOMI, com investimento em torno de R$ 15 milhões, vindo a embarcar posteriormente cerca de 6,5 milhões de toneladas de minério ao ano. 
 
Em 04 de janeiro de 2008, a empresa Estrutural ZORTEA entrega o novo píer flutuante da MMX situada em Porto de Santana, agora composto de 360 toneladas de aço sobre o Rio Amazonas, contendo torres para amostragem e torres para transferência, com peso total de 460 toneladas de estrutura flutuante. As obras de construção desse novo píer começaram em 15 de dezembro de 2007. 
 
Em 05 de agosto de 2008, a Anglo American paga à mineradora MMX Brasil, do empresário Eike Batista, R$ 5,4 bilhões referentes à compra do controle da IronX, empresq uqe administra os projetos de minério de ferro Minas-Rio e Sistema Amapá (contendo a ferrovia Santana-Serra do Navio e o Porto de embarque de minérios em Santana). 
 
O acordo entre a Anglo American e a MMX já havia sido anunciado em janeiro do mesmo ano, mas o valor final do negócio não havia sido divulgado. 
 
Em 06 de outubro de 2008, o Tribunal Regional Federal (TRF) determina a entrega dos bens da empresa ICOMI, que explorou o minério de manganês no Amapá, à União. Os bens estavam de posse temporária do Estado, que contavam com imóveis, a ferrovia Santana-Serra do Navio, o Porto Flutuante de Santana, e a Linha de Transmissão da Hidrelétrica “Coaracy Nunes” até o município de Serra do Navio. 
 
A decisão foi tomada pela 5ª Turma do TRF, aguardando apenas que a Procuradoria da União tomasse cumprimento da sentença. De acordo com o procurador-chefe da União no Amapá, Michel Amazonas Cotta, a sentença não era definitiva, mas também não era suspensiva. 
 
Na mesma decisão, a Justiça Federal também recomendou que a concessão da ferrovia que estava ganha pela empresa MMM Brasil fosse suspensa devido a citada sentença. 
 
Somente em 16 de outubro de 2008, a Procuradoria da União no Amapá (PU/AP) consegue, no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), reverter em favor da União os bens deixados pela empresa ICOMI que explorou minério de manganês no Amapá durante 50 anos. A decisão estava sujeita a novos recursos. A lista de bens era: porto privativo de Santana, estação de distribuição de energia elétrica, ferrovia em funcionamento, e bens imóveis (casas). 
 
A PU/AP interviu no conflito entre o Estado do Amapá e a ICOMI que estavam brigando por tais bens desde 1999, onde a mineradora alegava que seu contrato de concessão de exploração de manganês acabou em 2003, e aguardava por uma decisão na transição patrimonial, pois, segundo a Lei Complementar n.º 041/81, para o Estado do Amapá são devidos apenas os bens necessários ao funcionamento da máquina administrativa, sendo que os demais bens devem ira para a União, conforme expresso no contrato firmado em 1947. 
 
Em 20 de março de 2009, ocorre no plenário da Câmara de Vereadores de Santana, a instalação da Câmara de Conciliação criada no âmbito da Advocacia Geral da União (AGU) para buscar entendimentos acerca dos bens deixados pela ICOMI no Amapá. O objetivo é solucionar administrativamente entendimentos jurídicos diferentes entre a União, o Governo do Estado e os municípios de Santana e Serra do Navio. 
 
O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) já havia decidido em outubro de 2008, que os bens deixados pela ICOMI são de propriedade da União, mas o Governo do Amapá não aceitava a decisão e com isso criou a referida Câmara de Conciliação. Os bens deixados são a ferrovia, o porto fluvial, a linha de energia elétrica e alguns imóveis no município de Serra do Navio. 
 
Já em 20 de outubro de 2009, a polêmica em torno de quem assumiria a titularidade domínio da ferrovia do Amapá e do Terminal Portuário Privativo de Santana chega a um acordo. O documento é lavrado e assinado na Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal. 
 
Pelo acordo, o Estado do Amapá reconhece que é da União o domínio direto sobre o imóvel onde está instalado o Terminal Portuário de Santana e às instalações portuárias e acessórias, além da outorga de transferência para a Anglo Ferrous Brazil. 
 
Mas a mineradora se compromete em permitir, até que se encontre uma solução definitiva, o acesso de mineradoras cujas cargas sejam compatíveis com a estrutura existente do Porto.
 
O desabamento
Em fevereiro de 2013, um fato sinistro iria sinalizar um possível tragédia naquela área portuária, na qual um dos relatórios técnicos, produzidos posteriormente por uma das seguradoras da mineradora mostrou o que seria uma “tragédia anunciada”.
 
Uma das plataformas que corresponde à correia de transporte de minérios se desprende e causa sérios danos na estrutura de um desses guindastes. (Foto anexo)
 
O episódio foi registrado e relatado, mas segundo ex-funcionários da mineradora, nenhuma providência segura foi tomada a não ser a recuperação da plataforma e a retomada dos serviços operacionais do equipamento que assim continuou os embarques de minérios que tramitavam na ocasião.

No entanto, nas primeiras horas do dia 28 de março de 2013, seis pessoas desaparecem nas primeiras horas deste dia devido um acidente no píer flutuante do Porto de Santana, no Rio Amazonas, a 20km de Macapá (AP). 
 
As buscas pelos desaparecidos são logo realizadas por soldados do Corpo de Bombeiros, sendo que 03 trabalhadores são da empresa Anglo e outros são terceirizados. 
 
De acordo com a empresa Anglo American, o acidente causou a perda de equipamentos como caminhões e guindastes, que foram ‘tragados pelo rio’. O inquérito concluído em 2014 apontou que a sobrecarga teria sido a provável causa dessa tragédia que até hoje é lembrada pelo povo amapaense.
 
Vale ressaltar que mesmo após esse sinistro, o complexo portuário foi repassado da Anglo para a indiana Zamin Ferrous em um acordo que também envolveu a ferrovia a parte da mina de Serra do Navio, sendo que no início de 2015, a mineradora indiana paralisou totalmente suas atividades no Amapá.

Comentários

  1. Continue escrevendo sobre nossa história. Um dia teremos biblioteca, museu ou algo assim para guardar esses textos. Obrigada111

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