45 anos: O descobridor do manganês morreria com uma forte versão sobre a ICOMI

Mário (esq.) ao lado de Augusto Antunes e Fritz
Mário Cruz, o paraense que descobriu as ricas jazidas de manganês no então Território Federal do Amapá há quase oito décadas pela ICOMI (Indústria e Comércio de Minérios S/A), morreria numa sexta-feira cinzenta, naquele distante dia 15 de junho de 1973, num hospital particular, em Belém (PA) aos 76 anos. 

Mário, cujos seus últimos anos de vida foram de muito sofrimento devido a uma série de doenças que o deixaram semiparalítico, teve seu estado agravado por complicações circulatórias e cardíacas. Vivia à base de muitos medicamentos e num estado de “completa miséria”, como ele mesmo já reclamava nos últimos meses. 

Apesar de muitos prêmios prometidos pela descoberta do manganês (que nos primeiros 16 anos de exploração deu à mineradora ICOMI uma renda bruta de quase 2,5 bilhões de cruzeiros na exportação do minério), Mário ganhou apenas um emprego desqualificado na empresa, depois transformado numa renda fixa de 600 cruzeiros mensais, uma pensão do INPS de 400 cruzeiros e uma casa, que ele alugaria por um mil cruzeiros. Do salário, a ICOMI descontava 200 cruzeiros por mês para compensar despesas feitas com as doenças de Mário Cruz. 

Manganês de alto teor descoberto por Mário Cruz
Sem dinheiro, não pôde mais manter um dos dois filhos estudando na cidade de Belo Horizonte (MG) e o levou para Macapá. Com o filho e a mulher, dona Lúcia, morava numa pequena casa construída com as sobras de uma outra construção, doadas por um amigo engenheiro. 

Durante cinco anos viveu num cubículo de quase três metros quadrados, que era seu quarto, sem móveis, sem o mínimo conforto. Sua “barraca”, como ele mesmo a chamava, ficava nos fundos de uma outra casa e quando a Prefeitura de Macapá teve que alargar a rua, cortou metade dela. Mas Mário até que gostou: com o dinheiro da indenização, pôde pagar os trabalhadores que readaptaram a casa. 

Seu grande sonho era terminar a construção da casa para a mulher com quem vivera 36 anos e para o filho, Mário Cruz Filho. Por isso, escrevia seguidas cartas pedindo ajuda para o engenheiro Augusto Trajano de Azevedo Antunes, dono da ICOMI. 

Não acreditava que Antunes o tivesse esquecido – “pois fui eu quem fez possível tudo isso a ele” – porém suspeitava que as cartas não chegavam até as mãos do todo-poderoso presidente da ICOMI e por isso não eram respondidas. Morreu com essa crença, ou ilusão. Mas sozinho: apenas o filho e a mulher o viram morrer. 

Mário durante inauguração do Projeto ICOMI no AP
O único depoimento de Mário Cruz foi publicado por um jornal semanal de nome “OPINIÃO” (na edição 021, de janeiro de 1973). Inutilmente a imprensa brasileira e algumas revistas estrangeiras tentaram entrevista-lo. 

Após declarações feitas em 1971 a uma revista alemã, todas as vezes que jornalistas iam a Macapá, Mário ia, de repente, fazer um tratamento em Belém (PA), ou deslocava-se misteriosamente para um local desconhecido na Serra do Navio. O movimento era o inverso quando os jornalistas tentavam localiza-lo em Belém. 

Por que, no Amapá, temiam que Mário falasse? No depoimento que deu ao jornal OPINIÃO, ele contou uma história diferente daquela divulgada oficialmente pela ICOMI e pelo Governo do Amapá (Janary Nunes, aliás, na época da descoberta, governador do Território, prometera um prêmio especial para Mário e nunca cumpriu a promessa). Ele demonstra que quando Antunes pediu favores especiais ao governo brasileiro para a exploração do manganês, alegando falta de capital suficiente no país, e o desconhecimento, do valor real das reservas, não apenas já tinha garantido um generoso financiamento da Bethlehem Steel Corporation, como tinha uma noção bastante precisa das potencialidades da reserva. 

Sem desconfiar da importância da sua versão, Mário nunca se preocupou em deixar um documento manuscrito mais extenso sobre as contradições entre a sua versão e a da ICOMI. É provável que a sua morte tenha anulado as possibilidades de se reescrever esse capítulo.

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