Um contrato de mineração mudaria a história da economia do Amapá e do mundo

Antunes no projeto ICOMI no Amapá
Uma sucessão de fatos importantes para a história da Amazônia completou datas redondas neste ano. O esquecimento não foi apenas uma falha na memória da região, uma simples perda cronológica. 

Pode ser um desperdício de lições extremamente úteis para os dias atuais. Em particular, para a mineração, através da qual o Brasil obtém a segunda maior receita com as suas exportações. 

A primeira das datas completa hoje (06 de dezembro) 70 anos. Refere-se à assinatura do contrato do governo brasileiro com a ICOMI, em 1947, para a primeira mineração empresarial da região: a exploração da jazida de manganês do Amapá, uma das mais ricas já descobertas no mundo. 

A segunda data comemorou-se em janeiro passado 60 anos: tem por origem o primeiro carregamento do precioso minério, em janeiro de 1957, para os Estados Unidos, o principal destino da produção. 

Vitoriosos na Segunda Guerra Mundial, os EUA não dispunham de reservas suficientes para o completo suprimento do seu parque siderúrgico. Iam buscar na África o manganês necessário para atender a fome dos seus altos fornos. 

Manganês de alto teor descoberto no Amapá
Logo depois da guerra, as principais siderúrgicas americanas iniciaram a prospecção de manganês na Amazônia. Até então, a atividade mineral era mínima na região, limitando-se à extração de ouro aluvionar e diamante, através da garimpagem. 

Os desinformados deduziam da vasta bacia sedimentar, a terra mais nova do planeta, que não fosse compatível com um subsolo rico em jazimentos. 

Não era o entendimento das grandes corporações americanas. Elas procuraram as faixas de pré-cambriano, as formações mais antigas da Terra. Uma das mais promissoras estava no Amapá. O alvo respondeu rapidamente à investida. 

Construção da ferrovia Santana-Serra do Navio
Em 1943 surgiu o território federal, desmembrado do Pará. Dois anos depois (1945), o coronel Janary Nunes, interventor federal, abriu uma “corrida” ao minério de ferro. 

No ano seguinte (1946), um nativo apareceu com pedras pretas, que recolhia para dar lastro à sua embarcação. Recebeu um prêmio porque, levadas a análise, as amostras se revelaram de alto teor de manganês. 

O governo Dutra decidiu criar uma unidade com todas as ocorrências do minério, incluindo-as numa única concessão. Duas empresas americanas, a United States Steel e a Hanna, participaram do leilão, mas uma empresa nacional, ainda sem tradição no setor, foi a vencedora. 

Mero arranjo para tangenciar a resistência dos nacionalistas a estrangeiros. A ICOMI, do empresário Augusto Antunes, de Minas Gerais, logo se associou à Bethlehem Steel, então a maior compradora de manganês do mundo, que financiou o projeto. 

O prazo da concessão era de 50 anos. A mina se exauriu cinco anos antes. A Bethlehem se afastou antecipadamente, quando o minério ficou mais pobre. 

A intensa extração e exportação in natura abreviaram o tempo de vida útil da jazida de Serra do Navio. O balanço de quase meio século do manganês costuma ser considerado negativo. 

Mesmo transformado em Estado, o Amapá não se desenvolveu. Continua a ser uma das unidades mais pobres da federação. 

Foi, até o esgotamento da mina, mero exportador de matéria prima, parte dela ainda mantida como reserva nos Estados Unidos. A tentativa de verticalização da produção, com uma usina de ferro liga, não deu certo. 

Ao menos em tese, porém, havia condições para tomar o minério como impulso para fazer a cadeia produtiva avançar. A ICOMI pagava 5% do valor da produção como compensação financeira. Tinha ainda a obrigação de aplicar 20% do lucro líquido na diversificação econômica do Amapá, através de uma agência local de desenvolvimento. 

Dá-se como certo que o dinheiro que realmente entrou nos cofres públicos não foi o declarado. Muito deve ter sido desviado, conforme hoje se sabe muito bem, graças à análise mais profunda da corrupção à brasileira. 

O fator humano pesa mais do que os intérpretes que reduzem os fatos ao econômico estão dispostos a admitir. A própria empresa tentou novas alternativas. Implantou a primeira usina de pelotização de manganês do mundo, para aproveitar o minério fino, antes despejado nas drenagens próximas à mina. Montou uma moderna indústria madeireira e plantou 80 mil hectares de reflorestamento. 

Nada resistiu ao fim da atividade principal, exceto um subproduto letal da acumulação do resíduo do manganês, o arsênio, considerado cancerígeno. O índice de câncer ao redor do porto de embarque, em Santana, é um dos mais altos do país. 

Apesar de tudo isso, quando se compara a mineração do manganês do Amapá com as lavras atuais de minério de ferro, níquel, cobre, bauxita e mesmo manganês, em Carajás e em outros municípios do Pará, que se tornou o 2º maior Estado minerador do Brasil, fica-se com a impressão de que o avanço foi para trás. 

As marcas colonialistas desse sistema de exploração permanecem as mesmas. A retenção da receita gerada, porém, é menor. 

Na época da ICOMI, o governo não inventou algo como a lei Kandir, que isentou de impostos a exportação de matérias primas e semi-elaborados, criando uma compensação que não compensa corretamente essa sangria tributária e fiscal. 

A mineração se mantém como um enclave, beneficiando apenas um exíguo território em torno da sua base de operações. Com o avanço tecnológico, a exaustão das riquezas é mais rápida. 

Tão rápida que a história se realiza e o nativo nem se apercebe disso – o que explica o silêncio sobre o manganês do Amapá, o início de um ciclo econômico muito maior, mais pungente e menos conhecido do que o da borracha, que acabou um século atrás.

*Artigo do jornalista paraense Lúcio Flávio Pinto

Comentários

  1. Pedido de manganês: 10.000 ton/mês em contrato. Mn 43% ou melhor e com no máximo 5,5% de Fe.

    Juliano Cunha
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