Depois de 20 anos, ruas aterradas de Santana ainda guardam rejeitos de minério tóxico

Hospitalidade: Cruzamento que recebeu o aterro
Um episódio que marcou – de modo polêmico e assustador – a história recente do Amapá, na qual toneladas de rejeitos de dois minerais altamente tóxicos (manganês e arsênio) foram usados pelo Poder Público Municipal (a Prefeitura de Santana) para pavimentar e até aterrar diversas ruas e avenidas de dois bairros da segunda maior cidade do Estado do Amapá. 

Historicamente, sabe-se que a mineradora ICOMI lavrou e comercializou intensas toneladas de minérios de manganês na região de Serra do Navio, de 1957 até 1997. Até meados dos anos de 1970, os pequenos fragmentos (rejeitos de minério de manganês), não encontravam compradores e eram estocados em Serra do Navio. 

Resíduo aparente de minério usado no aterro
Para a comercialização desses finos, foi construída próxima ao porto industrial da ICOMI, na cidade de Santana, uma usina de pelotização, a qual aglomerava esses finos em pelotas endurecidas, permitindo assim sua venda. 

As fortes ligações que uniam o arsênio aos hidróxidos seriam rompidas, devido o minério de manganês ter sido aquecido a 1000 graus liberando o mesmo para o meio ambiente. 

Em virtude dos processos de pelotização e sinterização originou-se uma grande quantidade de rejeitos. Esses rejeitos foram depositados em uma barragem artificial, situada ao lado da usina de pelotização. Ali, o arsênio (solúvel à superfície dos grãos) era dissolvido e contaminava a água da barragem e nas águas do subsolo em suas mediações. 

Na época das chuvas a barragem transbordava e acabou por contaminar os rios Elesbão I e II que eram usados pela população local para diversas finalidades. 

Em meados daquele ano de 1997, a secretaria de meio ambiente do Amapá (SEMA-AP) após receber denúncia anônima constatou através de análise da água do rio a contaminação por arsênio, a empresa foi obrigada a retirar o rejeito da barragem e este foi depositado no solo sem proteção e coberto por plástico. 

No entanto, este rejeito foi dimensionado ao ser removido da barragem, chegando a 150 mil toneladas, onde parte dele foi distribuído pela cidade de Santana como aterro de ruas e até mesmo usado pela população como carga na construção de casas e como aterro em quintais e jardins. 

Vários relatos apontavam para a ocorrência de problemas de saúde na população que usou o aterro ou mora nas ruas aterradas e também comprovaram a mortandade de animais domésticos e outros problemas. 

Mapa de 2008 aponta as ruas com o aterro tóxico
A contaminação por arsênio no ambiente afetaria indiretamente alguns moradores que residiam em vias que receberam essas camadas de aterro. 

“Minha mãe sentia muita tosse e dor de cabeça, ela achava que se tratava apenas do calor da região, mas era algo bem pior”, contou a doméstica Valda Brito. 

A doméstica revelou que em 1998 a sua genitora passou a apresentar sérios problemas de saúde, o que lhe obrigou a fazer inúmeros exames médicos particulares. 

“Foi quando recebemos o ‘baque’: ela estava com câncer na bexiga. Foi um pesadelo que passamos por quase três anos”, detalhou a doméstica. 

Valda acredita que a mãe (chamada Francisca do Rosário Brito) faleceu devido ter inalado as constantes poeiras que formavam pelo aterro inapropriado das ruas do seu bairro.

“Ouvíamos várias histórias de que esse material usado para asfaltar e aterrar algumas ruas de Santana continham produtos tóxicos e ainda tentamos recorrer pela justiça essa questão desse material ter contribuído para a morte de minha mãe, mas a justiça acreditou que as causas seriam outras e não somente aquele aterro”, relatou. 

Ainda morando no mesmo endereço no bairro Hospitalidade (há quase 26 anos), Valda acredita que os rejeitos inicialmente usados no aterro do bairro já não ofereçam tanto risco humano. 

Lista das vias aterradas com minério tóxico
“Só comentavam mais de casos de alergia durante o período recente que começaram a aterrar as ruas, mas com o passar dos anos, pouco se falou de outros casos”, disse.

Relatórios 
Em 1998, a pedido da Prefeitura de Santana, a mineradora ICOMI contratou uma empresa que faria uma avaliação biotécnica e geológica das vias que possuíam aterros de rejeitos possivelmente tóxicos. 

Um relatório foi entregue após quatro meses de estudos de pelo menos nove cruzamentos (de ruas e avenidas) que receberam aterro de rejeitos de minérios, onde teriam concluído que o material despachado no local não continha um teor bem elevado para que pudesse causar contaminação aos moradores residentes nas proximidades. 

Parte desse aterro tóxico já sumiu das vias
“Os resultados mostraram que 94,74% das amostras estavam com concentração de arsênio acima do limite editado pela CETESB (2000) (50 mg.kg-1) para solos residenciais o que evidencia uma contaminação do solo pelo arsênio. Os valores editados pela CETESB são reconhecidos no Brasil como referência para este tipo de estudo. Na falta de uma legislação brasileira para solo estes limites são aceitos e usados”, assim estava descrito num trecho do relatório entregue à imprensa da época. 

Porém, em outubro de 2009, uma equipe de formandos do curso superior de Química de uma Universidade baiana estiveram efetuando um levantamento acadêmico em Santana sobre o assunto e constataram outro quadro, e mais grave: Os estudos mostraram a existência de contaminação de alto teor do solo nas ruas aterradas com o rejeito, além do comprometimento de parte do ecossistema local (gramas não se desenvolveram na região que perdeu fertilidade). 

Até hoje (2017), em algumas ruas do bairro Hospitalidade, a presença desse rejeito ainda é aparente e em outras uma pequena camada de aterro foi colocada sobre o rejeito visando minimizar os efeitos danosos causados pela presença do arsênio e de outros metais pesados, apesar de vários trechos viários estarem em serviços de obras na rede de esgoto.

Apesar do atual quadro viário das ruas e avenidas (antes aterradas com esses rejeitos) não estarem mais aparentando esse material, ainda existe a preocupação pública com o tão pouco restante das vias, que oferecerem um risco para as crianças e adolescentes que utilizam o trecho diariamente.

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