1876: Ferrovia de Santana (AP) já estava prevista de ser construída há mais de 140 anos

1954: Ferrovia sendo construída pela ICOMI
Até onde as fontes históricas relatam – e com apoio de pioneiros que viveram essa fase áurea da mineração no Amapá – pode-se afirmar que a construção da extinta Estrada de Ferro do Amapá, começou a ser construída em 1954 e concluída em 1956, para que no ano seguinte entrasse em operação para o transporte de minério extraído da região de Serra do Navio. 

A ferrovia (com cerca de 200km de extensão) ligava os municípios de Santana, Porto Grande, Pedra Branca do Amaparí e Serra do Navio, também servindo para o transporte de colonos que residiam nas imediações da estrada ferroviária. 

Sua construção começou a ser tecnicamente traçada no final da década de 1940, logo após a descoberta das jazidas de manganês em Serra do Navio e a contratação da empresa ICOMI, que ficaria 50 anos explorando o referido e comercializando-o no mercado nacional e internacional. 

A existência dessa ferrovia facilitou inegavelmente no transporte mineral até um porto – este levantado às margens do Rio Amazonas, também por iniciativa da empresa ICOMI – que embarcava o manganês de alto teor em navios e cargueiros de inúmeras nacionalidades. 

Em março de 2014, suas atividades ferroviárias foram paralisadas por determinação judicial, devido questões trabalhistas com a empresa concessora da ferrovia, deixando na história recente do Amapá um trecho importante do funcionamento dessa estrada de ferro planejada e construída há cerca de 70 anos. 

Nova tese
Porém, essa tese histórica que sabemos da construção de uma das mais antigas ferrovias do Norte do país acabou ganhando um novo pedaço, encontrado em um relatório publicado em um jornal paraense em meados do século XIX. 

Jornal do século XIX, com publicação em questão
O extinto Jornal do Pará, um semanário que circulou no período de 1867 a 1878, considerado o órgão oficial de comunicação da antiga Província do Pará (a criação desse Estado Brasileiro somente ocorreria em 1889), publicava constantes relatórios da administração paraense, que descrevia as ações aplicadas pelos gestores das províncias e regiões administradas por militares, detalhando visitas oficiais e providências tomadas por essas autarquias. 

Na edição 041 do dia 20 de fevereiro de 1876 desse jornal, é possível encontrar o trecho de um relatório apresentado ao Dr.º Francisco Maria Correia de Sá e Benevides (que então assumia a administração da Província do Pará), pelo Senhor Domingos Soares Ferreira Penna (1808-1888), considerado um dos maiores desbravadores naturalista daquela época. 

Numa parte desse relatório publicado, observa-se que em abril de 1875, Domingos Soares visitou as três maiores ilhas ribeirinhas (até então) existentes ao longo do Rio Amazonas – que eram as Ilhas de Mexiana, de Caviana – além da pequena e discreta Ilha de Santana, que já era famosa na História do Pará. 

Trecho da matéria previa construção de ferrovia
A matéria do jornal faz um pequeno contexto histórico de cada ilha visitada pelo desbravador paraense, sendo que a última inspecionada é a Ilha de Santana, que ficava a menos de três léguas (cerca de 20km) da comunidade mais próxima, que era a cidade de Macapá. 

Além de descrever as invasões estrangeiras que a Ilha sofreu entre os séculos XVI e XVII, o texto oficial encerra com um parágrafo que premedita a futura construção de uma ferrovia nas proximidades da Ilha de Santana, que ajudaria no progresso social e econômico, tanto para a cidade de Macapá como para o restante do Norte Brasileiro: 

“Quando, porém, os recursos dos habitantes e do commercio de Macapá permitirem ou as conveniências políticas do Estado exigirem a construção de uma linha férrea da cidade para a costa fronteira à ilha de Sant’Anna, passando através da planície e dos campos que tanto a facilitam, aquelle magnifico canal, hade ser o porto da cidade e talvez um dos portos mais opulentos de todo o valle do Amazonas. Assim Deus o queira!”

No encerramento do conteúdo publicado, o autor da matéria deixa bem claro que a “vontade Divina” será realizada sobre sua previsão. 

Visita à Ilha de Santana postada em outro jornal
Vale ressaltar que essas visitas ribeirinhas, feitas por Domingos Soares à Ilha de Santana foram novamente confirmadas em 1885, através de outro periódico paraense. 

O Diário de Belém (que circulou de 1868 a 1889) publicou essas visitas do desbravador na edição do dia 15 de janeiro de 1885, reforçando com veemência as perspectivas que ocorreriam nessa pacata região, hoje pertencente ao município de Santana (AP). 

Tão bem elogiado pelas autoridades paraenses foi o citado relatório de Domingo Soares, que o mesmo acabou transformando-o em uma de suas três únicas obras (livro) publicadas em vida: “A Ilha de Marajó”, contém essas e outras valiosas informações históricas sobre comunidades e localidades antigas do atual Estado do Pará, tendo algumas cópias desse exemplo ainda existentes no Arquivo Público do Pará.

Dúvidas Históricas
A previsão feita na matéria publicada no jornal de 1876 abre vários leques de dúvidas a serem esclarecidas, algumas que ficarão sem respostas por um longo tempo. 

As dúvidas chegam a ser tão grandes que envolve até nomes importantes da História do Amapá, como o engenheiro Augusto Trajano Antunes, considerado um dos mentores pela construção da Ferrovia Santana-Serra do Navio. 

Domingos Soares Penna
“A ideia de se construir uma ferrovia partiu do Augusto Antunes (ex-presidente da ICOMI) por volta de 1948. O surgimento dessa premeditação histórica é mais antiga que o próprio nascimento do Senhor Antunes, que nasceu em 1906”, comparou o professor Carlos Rogério, que leciona História em escolas estaduais de Santana. 

O professor ainda descreve o último parágrafo desse texto como uma “curiosa premonição que somente favoreceu os setores econômicos e sociais do Amapá”. 

Outro importante nome da histografia santanense é o professor Aroldo Vasconcellos, conhecedor e grande referência em assuntos relacionados à segunda maior cidade do Amapá (Santana), que também se mostrou surpreso com a “descoberta” que estava discretamente publicada em um extinto jornal do século XIX. 

“Com certeza Domingos Soares (o desbravador) se mostrou uma pessoa experiente nessa região e sabia que a construção de uma ferrovia traria o desenvolvimento um povo pouco assistido como era esse lado do Amapá”, reconheceu Aroldo. 

O professor também acredita que o desbravador estava ciente das suas opiniões a serem divulgadas, porém, não se sabia os motivos fundamentais para elas. 

“Ele sabia que a instalação de uma ‘Maria Fumaça’ nessa região seria útil, mas até hoje não sabemos o que seria embarcado ou transportado nesses vagões ou para onde seria enviado essa mercadoria”. 

Dúvidas como essa já cercam os simpatizantes e colaboradores fascinados pela História do Amapá, que agora buscam responder outras perguntas, como:

Das três ilhas paraenses que Domingos Soares visitou, por quê somente a Ilha de Santana que receberia esse privilégio de uma ferrovia? Por quê já previa a construção de um porto em frente à Ilha de Santana? Será que chegaram a traçar algo em mapa sobre essa ferrovia?

Enquanto que respostas são procuradas, as certezas que se podem agora assegurar estão descritas pelos pioneiros que achavam que a única ferrovia construída foi projetada pela ICOMI há mais de 70 anos, enquanto que um paraense já atentava por essa necessidade de interligar localidades distantes através do meio de transporte mais avançado naquele longínquo século XIX, que era a linha férrea.

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